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Ciclo de Filmes – Uma Breve História do Cinema

1. INTRODUÇÃO

A Arte

A humanidade utiliza e cria arte desde sempre. Desde as primeiras pinturas rupestres na era anterior ao surgimento da escrita, o ser humano já criava arte, seja para representar, alertar ou como forma de conexão mística com o sobrenatural. Com o desenvolvimento humano e, por consequência, com o desenvolvimento tecnológico através das eras, a humanidade foi capaz de imaginar e conceber diferentes formas de produzir arte. Assim, a arte não representa apenas uma fuga da realidade, mas sim uma descoberta do mundo por diversos portais que transparecem a realidade das mais diversas maneiras diferentes e com as mais diversas funções sociais que foram aproveitadas através da história. Dentre essas funções, as que mais me fascinam desde sempre são a capacidade de retratação da história de uma época e a ficção científica que é capaz de imaginar, projetar e conceber futuros possíveis, tecnologias e aparelhos que comumente se tornam realidade.[1]
Atualmente a arte vem sofrendo com a grande interferência do capitalismo, se transformando apenas em mais uma das formas de indústria interessadas no lucro ilimitado que provém do interesse sempre regenerado do ser humano nas possibilidades que a arte apresenta. Um amigo meu me disse um dia que pra enxergar a necessidade que o ser humano tem da arte e a sua importância social é só se atentar a quantidade de dinheiro que nós gastamos mensalmente com serviços de distribuição de arte, seja ela música, cinema, TV, literatura, artes plásticas e tantas outras. Isso só falando na linha do entretenimento, mas quanto mais vale a arte como arte, como exteriorização dos mais intrínsecos sentimentos e anseios humanos? Arte tal que vem se afastando do grande público e se tornando cada vez mais periférica numa sociedade humana regida pela busca da satisfação efêmera das massas.

O Cinema

Como já citado, as evoluções tecnológicas propiciaram a criação e ascensão de diversas formas de arte através da história humana. O cinema é uma das artes mais recentes, com seus pouco mais de cem anos de existência, mas com uma história tão curiosa e interessante quanto as demais. Numa perspectiva histórica da arte, as evoluções tecnológicas que propiciaram a ascensão do cinema como modelo de arte contemporâneo foram muito recentes, mas seu desenvolvimento se deu de maneira acelerada, assim como a humanidade se desenvolveu em todo o século XX e continua em velocidade superior no século XXI. A capacidade que o cinema tem de agregar tantas formas de arte diferentes em um produto tão conciso e marcante como o filme foi o que me fez ter um apreço maior por essa forma de arte em específico. Por tal motivo e por sempre gostar de conhecer e entender a história do mundo, sempre me interessei também pela história do cinema e por todos os acontecimentos que impactaram na sua evolução ao longo dos anos.
O meu ingresso no curso de Cinema e Audiovisual me permitiu um aprofundamento almejado no universo cinematográfico primitivo de épocas que eu nunca tinha me aventurado a explorar antes. Talvez por isso que algumas dessas viagens foram surpreendentes de maneiras, muitas vezes, ambíguas. De qualquer forma, esse processo está sendo muito proveitoso pra mim e, com todas as minhas experiências recentes, eu me senti na necessidade de organizar todo esse aprendizado numa produção que resumisse todo esse belíssimo universo. 
Nesse sentido, esse texto se dividirá em tópicos que servirão para orientar uma espécie de linha do tempo – que muitas vezes não está em perfeita progressão temporal – da história do cinema e dos seus principais e mais marcantes movimentos que aconteceram ao longo da sua relativamente curta história. A matéria que me fez experienciar as diversas vertentes históricas do cinema e que dá nome ao artigo se chama Ciclo de Filmes e os seus filmes serão indicados em destaque. Outras obras que eu citarei por me parecerem oportunas e por se encaixarem no contexto que abordarei também podem ser encontradas nas referências de cada tópico. Textos e outras referências estarão destacados para um aprofundamento maior para quem se interessar por alguma das facetas dessa arte indicadas no texto. No final, haverão as referências gerais nas quais eu me baseei para a produção desse texto. As análises próprias dos filmes que eu explorei por alto como exemplares dos movimentos cinematográficos citados estão também referenciadas para uma vista mais aprofundada de cada obra, se assim parecer oportuno ao leitor.

Índice

1. INTRODUÇÃO
1.1. A Arte
1.2. O Cinema
2. PRIMEIRO CINEMA
3. EXPRESSIONISMO ALEMÃO E VANGUARDAS EUROPEIAS
4. REALISMO SOVIÉTICO E A MONTAGEM DE ATRAÇÕES
5. SURREALISMO
6. WESTERN E A ASCENÇÃO DE HOLLYWOOD
7. AS INFLUÊNCIAS DA SEGUNDA GUERRA
7.1. Cinema Noir
7.2. Neorrealismo
8. NOUVELLE VAGUE A O CINEMA DE AUTOR
9. CONTRACULTURA, A NOVA HOLLYWOOD
10. NOVAS FORMAS DE ENXERGAR A SOCIEDADE
10.1. Cinema-Verdade
10.2. Cinema Novo Brasileiro
11. CINEMA LATINO-AMERICANO
12. COUTINHO E O DOCUMENTÁRIO NO BRASIL
13. CINEMA MODERNO
14. A ANIMAÇÃO
15. O CINEMA PARA ALÉM DO OCIDENTE
16. CINEMA CONTEMPORÂNEO
17. CONCLUSÃO

Legenda das referências:
[1] Indicam passagens de texto que se inspiram em alguma das referências citadas
📗 Referência Literária
📑 Referência da Internet
📺 Referência em Vídeo
📽️ Filme referenciado – Ciclo de Filmes (CF)
🎬 Filme referenciado

Referência:
📺 [1] Evolução dos Celulares – Nerdologia

2. PRIMEIRO CINEMA

Desde as primeiras fotografias o ser humano conseguiu capturar a luz para formar uma representação similar ao que nosso olho faz naturalmente. Com as invenções pioneiras dos irmãos Lumière e das indústrias de Thomas Edison, o cinematógrafo e o cinetoscópio, respectivamente, a humanidade foi capaz de capturar pela primeira vez uma série de imagens que davam a sensação de movimento ao espectador, logo nos últimos anos do século XIX. Assim surgia uma revolução técnica e artística que mudaria os rumos da arte no mundo. Nos primórdios, as pessoas estavam apenas interessadas em captar passagens da vida cotidiana e paisagens urbanas das grandes cidades para poder expor aquela nova tecnologia, mas não demorou muito para que a criatividade começasse a se impor e aquele novo meio se tornasse uma nova e revolucionária maneira de contar histórias.
Com um início trivial, mostrando passagens simples da realidade com personagens em cena sem qualquer profundidade psicológica, em pouco tempo o cinema foi absorvido por parques de diversões e estabelecimentos que expunham inovações e logo passou a ser mais uma das atrações. Com a descoberta da nova e perceptível promissora forma de lucrar, os responsáveis por esses estabelecimentos, que geralmente tinham ligação direta com os produtores de filmes, logo começaram a utilizar desse novo meio como forma de exploração econômica com produções cada vez mais elaboradas, ganhando técnicas mais sofisticadas e tom mais ficcional. Assim também surgiram as primeiras salas de cinema que exibiam as produções desenvolvidas em seus respectivos países, até haver o intercâmbio de produções ao redor do mundo, algo que também não demorou muito para acontecer.
Mas não vou me ater tanto aqui às revoluções tecnológicas que propiciaram o desenvolvimento do cinema. Ao invés disso, vou analisar as principais obras que surgiram desse período e que se tornaram clássicos do cinema por sua importância ímpar na história dessa arte. De qualquer forma, é notável a maneira que o cinema surgiu como mais uma invenção qualquer dessa era de desenvolvimento da virada do século XIX para o XX, mas logo foi ganhando contornos de complexidade que o foram tornando um sofisticado meio artístico e de comunicação. O seu desenvolvimento acelerado, muito relacionado à sociedade à sua volta, evidencia o cinema como um grande movimento capaz de, desde suas origens, mostrar e capturar as características sociais do seu tempo. Tudo isso é observável mesmo com pouco mais de 20 anos de existência, já nos anos 1920.

Cena de “A Chegada do Trem à Estação” (1896) que mostra passageiros desembarcando de um trem.

Seja do primeiro plano fixo do mudo “A Chegada do Trem à Estação” (1896), considerado um dos primeiros filmes da história, aos complexos e criativos cenários de “Viagem à Lua”, de 1902, já com sua trilha sonora clássica e marcante que dá um tom cômico a história futurística, a evolução que o cinema atingiu em apenas 6 anos é surpreendente. De uma passagem documental monótona de um único plano de uma locomotiva e seus passageiros corriqueiramente transitando numa estação de trens francesa até uma grande produção que se mostraria uma das primeiras ficções-científicas a preverem a realidade de algum modo, diversos elementos evoluíram extremamente rápido nesse curto período. Elementos provenientes do teatro e os primeiros conceitos de raccord e narrativa cinematográfica, por exemplo, são marcantes nessa comparação. 
“Viagem à Lua” é uma produção que ainda hoje merece ser apreciada pois representa um marco na criação artística para a sétima arte. Sua trilha sonora característica e cenas icônicas para o cinema ficaram na história, mas outros elementos que foram absorvidos pelas produções posteriores a ele são tão marcantes quanto. Assistindo a esse filme mais de 120 anos depois de sua produção, ainda me vejo fascinado com tamanhos feitos artísticos e ainda mais deslumbrado como a linguagem desse filme ainda é capaz de se comunicar comigo, causar emoções e sentimentos tão genuínos quanto minhas risadas com o desenrolar surreal da trama. Já daí é possível entender como o cinema é uma linguagem atemporal que independe de palavras, falas ou qualquer outro símbolo para comunicar a sua essência ao espectador. Isso sempre me encanta, desde um filme atual como “Ninguém Vai Te Salvar”, que consegue contar sua história sem a necessidade de uma palavra sequer de “expositividade”, até os primórdios do cinema com “Viagem à Lua” e sua destrambelhada trupe de exploradores lunares.

Icônica cena da lua atingida por uma cápsula de projétil tripulada por humanos, “Viagem à Lua” (1902)

Se “Viagem à Lua” já propunha inovações interessantes para sua época, mas ainda se baseava numa representação mais teatral – que tornou o cinema conhecido como “teatro filmado”, logo de início – com uma câmera sempre fixa, atuações exageradas e cenários montados em uma espécie de palco dentro de um estúdio, “O Grande Roubo do Trem” já estabelece alguns elementos como raccords de movimento, montagem paralela, filmagem em locações e profundidade de campo que demonstram o pioneirismo dessa obra no aspecto da técnica cinematográfica, apenas um ano depois, em 1903. 
A trama, onde bandidos interceptam um trem, após renderem um operador de telégrafo, fazem um belo arrastão entre os passageiros para logo em seguida sequestrar a locomotiva e fugir pela floresta, demonstra também uma construção narrativa sofisticada para a época. Contribui para isso o desenvolver que a história apresenta com um grupo de homens armados, alertados pelo telegrafista, que saem em perseguição aos fugitivos com um clímax proposto pela alternância das sequências em que duas ações simultâneas ocorrem e favorecem a criação de uma atmosfera de euforia e apreensão em relação ao que poderia acontecer no final. Tudo isso, aliado a uma icônica cena de um homem atirando em direção a câmera na última sequência do curta fazem desse filme não mais apenas uma história contada, mas sim uma experiência cinematográfica, sendo esse o real pioneirismo dessa obra.[1]

Cena final marcante do filme “O Grande Roubo do Trem” (1903)

Se “O Grande Roubo do Trem”, de Edwin S. Porter, combina várias técnicas cinematográficas de uma forma nunca antes vista, são os filmes de D.W. Griffith que combinam essas técnicas a uma construção narrativa também nunca antes vista, dando início aos primórdios da narrativa clássica. Todos aqueles elementos citados são unidos numa linguagem cinematográfica mais coesa e sofisticada no quarto longa-metragem do cineasta americano, um dos primeiros exemplares de filmes que adotam a narrativa clássica. 
O Nascimento de Uma Nação”, no entanto, é uma obra extremamente racista e abominável em sua trama. Se, por um lado, temos inovações narrativas na história contada que favorecem a criação de uma linguagem ainda mais própria ao cinema e um primeiro ato até razoavelmente aceitável que busca um certo apelo antibélico, por outro, a segunda metade reconstrói a história de maneira que agrega o mais profundo ódio da sociedade opressora sulista do período da guerra civil americana e faz apologia a Ku Klux Klan como movimento heroico contra o autoritarismo negro, representado na trama pela vilania disforme das lideranças tirânicas que subjugam os brancos ao “horror” da igualdade racial. Pra mim, essa reconstituição histórica perversa que o filme exibe acaba ofuscando qualquer brilhantismo artístico ou técnico que o filme possa ter.
Por tal motivo, tomaremos como exemplar igualmente inovador o épico “Intolerância” (1916), também de Griffith. O seu longa subsequente, entretanto, apresenta uma trama mais aceitável e semelhantes méritos técnicos que o tornaram também um clássico do cinema. A história que conecta quatro diferentes passagens da história do mundo, ligadas pelo fio da intolerância humana, foi uma espécie de tentativa de retratação do cineasta depois de um filme anterior detestável. “Intolerância” apresenta quatro tramas que se alternam e contam histórias complexas com os diversos feitos técnicos que tornaram Griffith um renomado diretor. A realização excepcional da montagem, alternando closes, planos gerais, montagem paralela, sobreposições de imagens, movimentos sofisticados de câmera, raccords, e principalmente uma construção narrativa fluida e cativante estão entre os principais feitos dessa obra grandiosa. O épico com requintes de epopeia de Griffith, no entanto, não teve uma recepção tão favorável pelo público na época e se tornou um de seus fracassos comerciais.

Grande plano geral do longa “Intolerância” (1916) que demonstra as proporções megalomaníacas da obra de Griffith

A montagem, com toda certeza, é um dos elementos mais importantes e significativos para o cinema, capaz de elevar este ao patamar de uma nova forma de arte independente das demais. Como citados acima, vários dos elementos que hoje são banais e bastante intuitivos foram idealizados durante a era do Primeiro Cinema, mas a montagem ganhou um desenvolvimento ainda maior nos anos futuros, que será exposto logo mais adiante nesse texto. Gostaria de deixar claro aqui também que os filmes citados não foram todos pioneiros e alguns nem tampouco inéditos na utilização das novas técnicas cinematográficas referidas, mas foram de extrema importância e podem ser tomados como exemplares excepcionais para as análises desse cinema clássico. “A Vida de um Bombeiro Americano” de Edwin Porter e “The Lonedale Operator” de D.W. Griffith também podem ser citados como precursores de algumas das técnicas utilizadas com mais destreza em futuras obras dos mesmos diretores, apenas para tomarmos de exemplo.[2]
Enfim, o cinema surgiu e se desenvolveu rapidamente nessas primeiras décadas do século passado e propiciou o posterior desenvolvimento de variadas correntes cinematográficas que devem bastante a esses revolucionários clássicos da sétima arte.

Filmes referenciados:
📽️ A Chegada do Trem à Estação (1896) (CF)
📽️ Viagem à Lua (1902) (CF)
🎬 A Vida de um Bombeiro Americano (1903)
📽️ O Grande Roubo do Trem (1903) (CF)
🎬 The Lonedale Operator (1908) 
🎬 O Nascimento de uma Nação (1915)
📽️ Intolerância (1916) (CF)
🎬 Ninguém Vai te Salvar (2023)
Outros referências:
📗 Primeiro Cinema – Flávia Cesarino Costa, História do Cinema Mundial – Fernando Mascarello
📺 [1] The Fascinating Story of 1903’s Biggest Movie – Toni’s Film Club
📺 [2] A montagem do Primeiro Cinema – AvMakers
📺 A linguagem do Primeiro Cinema – AvMakers
📺 D.W. Griffith e a linguagem cinematográfica – AvMakers

3. EXPRESSIONISMO ALEMÃO E VANGUARDAS EUROPEIAS

A Primeira Guerra Mundial foi um evento chave no desenvolvimento do cinema nas primeiras décadas do século XX. A produção cinematográfica que era bastante dividida entre Europa e Estados Unidos passou a ser totalmente dominada pelos norte-americanos. A guerra que devastou os territórios europeus também foi responsável por uma corrida de desenvolvimento tecnológico que propiciou a criação de inovações nos meios de captação de imagens. Com o intuito de documentar os acontecimentos do campo de batalha de uma perspectiva mais próxima e imersiva, as câmeras gravadoras começaram a ser mais portáteis e mais leves em relação às anteriores. Outro ponto de mudança que a guerra causou foi uma primeira difusão dos polos de produção dentro da própria Europa. Os países em guerra não tinham facilidade de acesso aos filmes exportados do exterior e por isso as produções internas cresceram. Exemplo disso é a Alemanha que viu sua produção crescer de apenas 49 filmes longa-metragem em 1913 para 345 em 1919, um ano após o conflito.[1]

Cena do documentário “The Battle of the Somme” (1916), primeiro filme a retratar cenas reais captadas durante a Primeira Guerra Mundial

Para além de todos esses efeitos que a guerra causou no cinema, como arte, o cinema também sofreu grandes influências dos efeitos psicológicos que a guerra deixou. Após os eventos traumáticos da Primeira Guerra Mundial, a sociedade europeia recorreu às artes para expressar esse sentimento de pavor e desamparo social e daí surgiram e se aperfeiçoaram técnicas que visavam maior desenvolvimento de temas psicológicos e tramas sombrias e perturbadoras. Diversos movimentos artísticos de vanguarda já haviam se estabelecido na Europa no início do século XX, mas foi com a passagem pela Primeira Guerra que esses movimentos se desenvolveram para um lado mais próximo ao cinema e que possibilitou um intercâmbio artístico pioneiro, justamente com a introdução de certas temáticas relacionadas ao conflito. 
Nesse sentido de retomada das produções europeias após o término do combate, os franceses se depararam no final da guerra com o seu mercado cinematográfico totalmente dominado pelos americanos. A França que era a maior produtora de cinema até antes da guerra se viu agora tendo que buscar alternativas para alavancar o seu cinema novamente. Assim, intelectuais e entusiastas da nova arte propuseram a adoção do cinema como novo produto artístico legítimo para se elevar ao nível dos até então superiores teatro, literatura, pintura e música, por exemplo. Assim, para tentar se livrar do cinema comercial americano que vinha se tornando hegemônico, foi proposto o cinema artístico, dando início a uma corrente baseada nas artes impressionistas. E esse foi apenas um exemplo das diversas adaptações para o cinema de movimentos vanguardistas europeus contemporâneos à época ou de séculos passados que ganharam novas formas nas telas.
O cinema impressionista dialoga com diversos outros movimentos de vanguarda como o expressionismo, surrealismo, dadaísmo e futurismo e por isso devo citá-lo aqui por sua grande importância na tarefa de elevar o cinema ao patamar de arte. As obras impressionistas abraçavam o cinema mudo de braços abertos e tentavam fugir da expositividade das cartelas de texto dando total destaque para as representações visuais das cenas, assim como as pinturas do gênero fizeram anos antes. Notáveis produções grandiosas e às vezes megalomaníacas como “Napoleão”, de 1927, e outras inovadoras nas técnicas narrativas como “Fièvre”, de 1921, e “Eldorado”, também de 21, são apenas três exemplares desse cinema que, considerado a “Primeira Onda” do cinema francês, foi capaz de captar influências e influenciar os demais movimentos de sua época e os movimentos futuros que surgiriam depois.

“Napoleão”, de 1927, é um exemplar histórico do cinema Impressionista Francês

Dos movimentos citados anteriormente, além do já explorado Impressionismo Francês, iremos nos aprofundar um pouco mais em duas dessas vanguardas que trouxeram grandes clássicos para o cinema, o Surrealismo – abordado no tópico 5 deste texto – e o Expressionismo alemão, responsável pela exploração de um dos gêneros cinematográficos mais sólidos até hoje, o terror.
Dos horrores da guerra surgiram interesses mais profundos na representação e análise da mente humana, tão desgastada pelo conflito. Na tentativa de fugir da realidade, por um lado, e na busca por representar os anseios mais profundos das pessoas do período, por outro, o Expressionismo adotou técnicas estéticas próprias com a utilização de maquiagem pesada, cenários distorcidos e temas relacionados à mente e ao contexto social. Exemplar claro e um dos filmes mais importantes para o gênero do terror é o alemão “O Gabinete do Dr. Caligari”, de 1920. Abordando uma temática interessante, com alusões ao controle social das massas que infelizmente preveria o nazismo no mesmo país, o filme foi o precursor do Expressionismo no cinema. A trama que é contada com atuações exageradas e utilização de uma fotografia com sombras destacadas e um contraste como elemento central da estética do filme segue um médico peculiar numa cidadezinha do interior da Alemanha. A sua grande atração de hipnose, no entanto, traz aos moradores um perigo aterrador, tanto literal quanto metaforicamente. A narrativa que deveria ser bastante crítica ao autoritarismo e carregar uma mensagem social profunda foi bastante alterada em relação ao que foi idealizado pelos seus criadores, Carl Mayer e Hans Janowitz, para agradar um mercado comercial já em desenvolvimento no período pós-guerra. Mesmo assim, muitas das técnicas artísticas empregadas no longa se destacaram criando até mesmo um estilo chamado Caligarismo, que une tanto a estética, quanto os temas misteriosos, profundos e sinistros abordados na obra.

Cena que evidencia a utilização característica de luzes e sombras na fotografia de “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920)

Se o Expressionismo foi capaz de antecipar uma realidade na Alemanha com um terror, proveniente do mesmo movimento podemos citar o clássico do cinema mundial “Metrópolis”, de 1927, que com suas ideias inovadoras do Expressionismo foi capaz de criar uma das primeiras representações de uma sociedade moderna futurística, além de agregar temas como a dominação social e o autoritarismo à narrativa. O clássico também é exemplar do Futurismo e apresenta uma temática social importante que expõe a dominação em tempos futuros pelo maligno magnata da cidade retratada, em alusão ao controle que os grandes líderes exerciam nas sociedades do período, levando a população a se destruir em defesa dos ideais dos grandes e perversos dirigentes.
Com esses movimentos vanguardistas podemos perceber como a jornada do cinema até alcançar o patamar de arte foi fruto de muita criatividade e assimilação das diferentes tendências artísticas anteriores. De qualquer maneira, era inevitável que o cinema adquirisse esse posto graças ao seu desenvolvimento tão voraz, mas a contribuição dos primeiros intelectuais da área foi primordial para a consolidação do filme não só como meio de comunicação de massas, mas também como meio poético de expressão artística. E já nesses primeiros exemplares clássicos percebemos o surgimento de vertentes modernas que se desenvolveriam muito nas décadas futuras. Ademais, as influências de outras artes para as proposições pioneiras desses movimentos de vanguarda poderão ser comparadas as influências que esses próprios movimentos cinematográficos terão nas demais tendências modernas do cinema.

“Metrópolis”, de 1927, símbolo do Futurismo e uma das obras-primas do cinema mundial

Filmes referenciados:
📽️ O Gabinete do Dr. Caligari (1920) (CF)
🎬 Fièvre (1921)
🎬 Eldorado (1921)
🎬 Napoleão (1927)
🎬 Metrópolis (1927)
Outras referências:
📗 De Caligari a Hitler: Uma História Psicológica do Cinema – Siegfried Kracauer
📗 [1] Consequências da Primeira Guerra Mundial, A história do cinema para quem tem pressa – Celso Fábio Sabadin
📑 O Impressionismo Francês no Cinema – Heloá Pizzi Mauro e Lucas Scalon
📺 A realidade distorcida do Expressionismo – AvMakers
📺 Metrópolis: produção, restauro e legado de um clássico – AvMakers
📺 A história por trás da criatura mais antiga do cinema – AvMakers
📺 CHIAROSCURO: a luz do Renascimento no cinema – AvMakers

4. REALISMO SOVIÉTICO E A MONTAGEM DE ATRAÇÕES

É notável que a Primeira Guerra Mundial deixou na Europa consequências para muito além do cinema. Na Rússia, no ano de 1917, a monarquia czarista caiu para dar lugar ao regime socialista depois da Revolução de Outubro, cujo estopim foi a participação desastrosa do país na guerra. Porém, a arte, como reflexo do contexto histórico do seu tempo, também foi afetada pelo desenrolar dos acontecimentos da revolução e da ascensão da União Soviética em 1922. No cinema, a revolução socialista propiciou uma corrente teórica e prática de cinema igualmente revolucionária. 
Nesse novo tópico abordarei com mais ênfase um elemento único do cinema: a montagem. Esse foi também o elemento central das pesquisas e teorias dos cineastas russos do período posterior à revolução bolchevique, principalmente na década de 1920. Esses teóricos foram responsáveis pelo estudo aprofundado dessa característica propriamente fílmica e foram importantíssimos para o posterior desenvolvimento de novos elementos técnico-narrativos no cinema. Neste tópico gostaria também de exaltar uma característica ímpar do cinema: a sua capacidade de unir ideias de pessoas com posições ideológicas e partidárias tão distintas num produto tão extraordinário como o filme. Para isso irei realizar uma releitura de uma obra de Serguei Eisenstein, mais especificamente do capítulo “Dickens, Griffith e nós”, do seu livro “A Forma do Filme” de 1949. 
Se a montagem, como vimos anteriormente, foi uma das principais características responsáveis por alçar o cinema como arte independente, foram os teóricos russos Serguei Eisenstein e Lev Kulechov que a elevaram a um outro patamar. Com seus estudos aprofundados a respeito dessa peculiaridade do cinema, Kulechov descobriu que a justaposição de cenas numa sequência poderia induzir no espectador muito mais significado do que apenas a soma das duas cenas independentes. Dessa união que gera um novo sentido através da montagem surgiu o que foi denominado “Efeito Kuleshov”.

Cena do experimento realizado por Kulechov que provou a criação de um novo sentido a partir de duas imagens justapostas

Como percussor, Lev Kulechov abriu caminho para os demais cineastas soviéticos do período desenvolverem seus trabalhos utilizando suas teorias e apresentando também novas visões do cinema como representação da realidade. Dziga Vertov, por exemplo, adotou uma vertente totalmente documental do cinema pois ele acreditava que o poder da câmera era apresentar um acréscimo ao olho humano capaz de transmitir uma representação objetiva da realidade sem qualquer tipo de manipulação ou interferência subjetiva, numa teoria quase que filosófica chamada “Kino-Olho”. Eisenstein, por outro lado, já adotava a ficção nas suas obras, mas também interessado na representação da realidade à sua volta. Essa preocupação de retratar a realidade era efeito da influência política do estado soviético que exigia dos filmes uma linha temática e discursiva alinhada à ideologia socialista na busca pelo engrandecimento dos temas revolucionários.
Os cineastas do período tiveram muita influência não só do contexto político contemporâneo a eles como também dos pensamentos marxistas e da dialética hegeliana – teorias também relacionadas aos ideais da revolução socialista – numa procura pela evolução das técnicas, pela ascensão dos sentidos e pela busca de uma condição intelectual superior para os espectadores de um filme, proveniente das interpretações retiradas da meticulosa utilização da montagem pelos seus realizadores. Tendo assim a montagem como elemento chave de um filme, tais cineastas influenciaram todo o cinema posterior com suas teorias que atestavam a capacidade única de transmitir simbolismos e significados não somente através do conteúdo literal da obra. 
Eisenstein vai além dos princípios de Kulechov e aponta a forma como superior a narrativa no sentido de transmitir uma mensagem em um filme, dando origem ao seu método de “Montagem de Atrações”. Ele identifica, em sua obra “A Forma do Filme”, a importância de Charles Dickens, romancista inglês, para a criação das técnicas de D.W. Griffith e a importante influência do cinema de Griffith para a escola cinematográfica soviética. Para Eisenstein, a capacidade de Dickens de narrar suas tramas muitas vezes com uma expositividade impressionante de detalhes e a construção da narrativa de suas obras com desenvolvimentos de ações paralelas visando um realce na tensão e nos sentimentos transmitidos ao leitor foram de extrema importância para Griffith na proposição de novas técnicas no cinema. Mesmo com as divergências com o diretor americano, Eisenstein identifica como ele foi capaz de propor inovações importantíssimas na área da montagem fílmica que só viriam a ser igualadas e superadas pelos cineastas soviéticos que conseguiriam agregar, anos mais tarde, ainda mais importância a esse elemento cinematográfico.
Para Eisenstein a “Montagem de Atrações” era o oposto da vertente narrativa-representativa do cinema clássico americano que trazia ideais de direita, por sua falta de pretensão intelectual ou social, enquanto a de atrações trazia ideais de esquerda, pela sua constante preocupação na produção de sentido intelectual e no posicionamento ideológico. Eisenstein analisa ainda o motivo pelo qual Griffith fracassou em “Intolerância” (1916) na sua tentativa de transmitir as metáforas que pretendia, tendo como conclusão de que a utilização da montagem apenas de maneira objetiva e expositiva no filme não foi capaz de atingir um patamar de montagem analítica, desenvolvida com maestria apenas no cinema soviético, segundo o próprio Eisenstein.[1]

Passagem do filme “Intolerância” (1916) citada por Eisenstein em sua análise a respeito da transmissão metafórica falha da mensagem de Griffith

Enquanto na narrativa clássica o elemento montagem busca ser invisível aos olhos do espectador, a “Montagem de Atrações” busca evidenciar o caráter artificial de si própria, demonstrando a mão do realizador na obra e no sentido final, e busca ser o elemento principal para a transmissão do propósito da história, fazendo seu espectador atingir uma nova condição intelectual diferente da anterior à experiência da obra em questão. A montagem de atrações busca fugir do real, assumindo uma posição de mecanismo principal para a produção de sentido na trama do filme e essa característica é perceptível numa das grandes obras de Eisenstein: “O Encouraçado Potemkin”, de 1925.
No filme podemos observar a temática padrão das obras do realismo soviético com bastante posicionamento ideológico através de uma trama que exalta a revolução que ocorre num navio de guerra russo depois do tratamento desumano dos superiores para com seus subordinados. Assim, há uma revolta dos trabalhadores e operários do navio que são recebidos muito bem pelos moradores da cidade de Odessa onde acontece uma das cenas mais marcantes da história do cinema soviético e que consegue expor muito bem os efeitos causados pela montagem nesse filme graças a uma abordagem perspicaz da direção. As relações gráficas, rítmicas, espaciais e temporais da montagem conseguem agregar muito mais sentido a violenta repressão dos soldados do estado contra os revoltosos do navio que acaba atingindo a todos os transeuntes de uma escadaria da cidade, tornando-se representativa como um massacre dos poderosos opressores contra as classes baixas da sociedade que não tem qualquer chance de defesa.[2] Assim, exaltando a revolução e a necessidade de união popular contra os dominadores tirânicos, o filme consegue transmitir sua mensagem não só literalmente como simbolicamente.
Esse filme ainda me impressionou muito justamente em relação a utilização perspicaz da montagem em outras duas passagens em específico. Por ser uma obra de 1925, pra mim foi uma grata surpresa perceber que o ritmo da obra era bem mais fluido e a experiência muito mais palatável que muitos outros filmes clássicos dos anos próximos. As cenas da destruição de Odessa e a sequência final do filme, que alterna planos distintos numa gradativa elevação da tensão até um clímax catártico, foram as que me fizeram ter a certeza de que o responsável por aquela obra realmente estava num patamar superior do entendimento cinematográfico.
Mesmo depois o próprio afirmando que suas teorias foram muito radicais, refletindo o momento histórico e político no qual estava inserido, tais realizações de Serguei Eisenstein, assim como de seus companheiros da escola soviética, foram extremamente importantes para que outros cineastas compreendessem as funções da montagem para além de unir dois planos em sequência e pudessem desenvolver ainda mais a linguagem cinematográfica nos momentos que o sucederam no cinema.

Representação do navio da marinha imperial russa Kniaz Potemkin Tavricheski no filme “O Encouraçado Potemkin” (1925)

Numa alusão aos ideais da revolução russa, tenho que concordar que o cinema é um lugar que possibilita a união de ideias e pensamentos numa construção coletiva de um produto revolucionário e capaz de mudar tanto o pensamento individual como causar consequências sociais profundas. Os filmes soviéticos dessa era são fruto dessa mentalidade e foram capazes de, carregando esse ideal revolucionário, aperfeiçoar um elemento do cinema de uma maneira nunca antes explorada e abrir caminho para a evolução artística dessa forma de arte ainda tão recente. O texto de Eisenstein que aborda um dos responsáveis pelo desenvolvimento do cinema predecessor – Griffith – ainda demonstra mais uma coisa interessante. Mesmo com ideologias e pensamentos tão diferentes, tais personagens inovaram com suas teorias e práticas cinematográficas, criando clássicos e mostrando que o cinema pode ser um lugar de união, de certo modo. Essa demonstração ainda foi capaz de provar para mim como o cinema é uma construção de inúmeras mãos que vão se sucedendo no escrever dos métodos, técnicas, linguagens e teorias ao longo dos anos de uma maneira construtiva engrandecedora.

Filmes referenciados:
📽️ Intolerância (1916) (CF)
📽️ O Encouraçado Potemkin (1925) (CF)
Outras referências:
📗 2.1.1 Montagem de Atrações, A Experiência do Cinema – Ismail Xavier
📗 [1] Dickens, Griffith e nós, A Forma do Filme – Serguei Eisenstein
📺 Cinema Soviético: O Efeito Kuleshov – Matheus Benites
📺 Cinema Soviético: Dziga Vertov e o Cine-Olho – Matheus Benites
📺 Cinema Soviético: Serguei Eisenstein e a Montagem de Atrações – Matheus Benites
📺 Cinema Soviético: Serguei Eisenstein e os Métodos de Montagem – Matheus Benites
📺 [2] Montagem: o específico cinematográfico – AvMakers
📺 Convenções da linguagem: montagem invisível – AvMakers

5. SURREALISMO

Partindo para mais um movimento de vanguarda artística europeia que surgiu após a Primeira Guerra Mundial, irei abordar nesse tópico o Surrealismo. Escolhi esse espaço e essa posição no texto pois é quando há cronologicamente, após os desdobramentos mais importantes do cinema soviético, um grande desenvolvimento do surrealismo com o seu expoente mais conhecido, Luis Buñel, se tornando notável pelo seu curta, em parceria com Salvador Dalí, “Um Cão Andaluz” (1929), fundador do surrealismo no cinema. Porém, o movimento surrealista surge com o escritor francês André Breton ainda no ano de 1924 quando é lançado o “Manifesto do Surrealismo”. No manifesto, Breton defende que a arte deve ser usada como contraponto à estética e a narrativa clássicas que buscavam atribuir sentido lógico a tudo e assim, as artes deveriam explorar através do surrealismo uma dispersão onírica que permitiria a ascensão do subconsciente humano por meio de um automatismo criativo, com grande influência das ideias recentes, à época, da psicanálise de Sigmund Freud. 
No geral, o surrealismo é um movimento que apresenta uma fuga da realidade racional, se aproximando do inconsciente, muitas vezes da perspectiva de um sonho, para representar uma nova realidade ao espectador. Realidade essa distante de quaisquer preceitos morais, estéticos ou narrativos predefinidos, sempre numa tentativa de surpreender e, muitas vezes, chocar a quem experiencia suas obras. E é a partir desse choque que os surrealistas identificaram uma maneira mais eficiente de gerar algum tipo de inquietação no espectador a respeito dos temas abordados, muitos deles relacionados ao contexto histórico e social do período. Por outro lado, entretanto, muitos artistas não almejavam transmitir qualquer mensagem com profundidade social ou moral, simplesmente exprimindo através de suas artes as bizarrices do inconsciente humano sem nenhum apreço pela produção de sentido lógico, apenas criando representações artísticas díspares.
Nessa linha de pensamento, o mais notável diretor surrealista do cinema foi Luis Buñuel que conseguiu adotar as duas abordagens surrealistas em suas obras, ora criando obras enigmáticas e irracionais por si mesmas, ora utilizando da estética e estrutura narrativa onírica do surrealismo para agregar pertinentes críticas sociais em algumas de suas mais de 30 produções cinematográficas. No início de sua carreira, Buñuel estava em busca do cinema como representação poética dos sonhos. Buñel adotou em seus primeiros filmes, nesse sentido, uma posição mais radical do surrealismo onde os simbolismos de suas obras, segundo ele, não representavam coisa alguma.[1]

Cena da primeira sequência do curta-metragem “Um Cão Andaluz” (1929) de Luis Buñel

Como já citado, um marco para a introdução do Surrealismo no cinema foi o curta-metragem “Um Cão Andaluz”, de 1929. Neste filme, seguindo a vertente primordial do movimento vanguardista, a representação da realidade na obra não obedece a nenhuma relação causal lógica e suas sequências apresentam variadas formas de interpretações, mesmo que para os próprios autores, nenhuma dessas estaria realmente certa, pois o filme não foi feito para transmitir sentido e sim para causar um efeito chocante no espectador.
Por mais aleatórias que sejam as cenas do curta-metragem espanhol, algumas delas se tornaram clássicas e icônicas não só para o movimento em questão, mas também para o próprio cinema. A que mais se destaca, com certeza, é a cena em que o próprio Buñel corta com uma navalha o olho de uma personagem em primeiro plano, que olha diretamente para a câmera, em uma incontestável utilização da metalinguagem, – sendo essa a cena inicial do filme – de certa forma afirmando que o diretor abrirá nossos olhos mais profundamente para enxergar para além da realidade e entrar num plano mais profundo e subjetivo do cérebro humano.[2]
Uma também notável obra do diretor espanhol é o filme “O Anjo Exterminador”, de 1962, que na minha visão representa um meio termo em relação a utilização das duas vertentes do Surrealismo em suas produções. Neste filme gravado no México, depois de seu exílio devido ao ambiente desconvidativo propiciado pela Guerra Civil Espanhola em seu país natal, Buñuel faz uma abordagem surrealista mais focada nas temáticas sociais, expondo a classe burguesa como a protagonista de sua obra, assim como veremos mais tarde no seu “O Discreto Charme da Burguesia”. No filme de 62 o diretor utiliza uma boa relação de continuidade narrativa, mas, por outro lado, com acontecimentos fantásticos dentro da trama. A forma como ele expõe o público a um estudo psicológico dos personagens acaba propiciando uma transmissão consistente de críticas às estruturas sociais e as morais burguesas.
Quase finalizando sua passagem no cinema, Buñuel trouxe o clássico “O Discreto Charme da Burguesia” (1972) que já adotava um tipo de surrealismo mais sutil em comparação às suas outras obras. No seu antepenúltimo filme dirigido, o diretor alcançou a aclamação da crítica especializada e ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1973, mas não deixou também de agradar o grande público, se tornando um dos filmes mais conhecidos e elevando o Surrealismo a um novo patamar no cinema. A partir desse filme – mas não somente – foi possível perceber como a utilização dos métodos e das peculiares características narrativas do surrealismo poderia expor ao público uma história capaz de transformar o próprio espectador no responsável por decodificar e atribuir sentido a história, eximindo o roteiro do papel de explicitar cem por cento cada intuito da obra.[3] Neste filme de Buñuel, seu surrealismo aparece de maneira mais tênue, mas, de qualquer maneira, a narrativa ainda apresenta uma estrutura não convencional que ao longo do filme vai se mostrando cada vez mais fragmentada e desconexa em algumas partes. Esse estilo diferenciado de contar uma história, como vimos, não impediu o filme de se tornar um clássico do Surrealismo e uma das obras mais profícuas do gênero.
A trama, por meio da sua análise do subconsciente dos personagens através da introdução de passagens deliriosas ao longo do filme, demonstra a hipocrisia da classe burguesa. Outra vez, Buñel utiliza seu cinema como ferramenta de transformação, ou pelo menos, tentativa de transformação social, como era, desde o início de sua carreira, uma de suas maiores ambições. Assim, o cômico enredo em que os protagonistas nunca alcançam seu almejado jantar acaba trazendo à tona diversos outros problemas inerentes a uma sociedade que se preocupa com os menores detalhes, mas se mostra cega diante dos maiores problemas. 

O embate em cena representa uma das principais temáticas sociais discutidas em “O Discreto Charme da Burguesia” (1972)

O Surrealismo, mesmo sendo um movimento de vanguarda que teve suas origens nos anos 1920, deixou expoentes para todo o futuro do cinema e até hoje filmes surrealistas ou com características surrealistas são lançados ao redor do mundo. Um notável exemplo recente, o diretor americano David Lynch é responsável por diversas obras com características surrealistas no cinema moderno e contemporâneo com temáticas oníricas e uma narrativa muitas vezes não convencional. Para citar apenas dois exemplos, os seus filmes “Cidade dos Sonhos” (2001) e “Império dos Sonhos” (2006) são obras que apresentam essas vertentes temáticas próprias do surrealismo. Outro diretor que também se destaca na temática surrealista é o canadense David Cronenberg. Seu filme de 1999 “eXistenZ”, que será abordado mais a fundo posteriormente nesse texto, apresenta muitos pontos característicos do surrealismo, como narrativa não linear, debates psicológicos e representações oníricas ambíguas para o espectador que precisa decifrar muitas vezes a veracidade dos fatos em cena.
Assim, mais uma vez, somos capazes de perceber como os primórdios do cinema influenciaram e continuam influenciando até hoje nas produções cinematográficas modernas. O Surrealismo é distinto por propor uma quebra dos preceitos clássicos do primeiro cinema numa época tão recente ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica, sendo assim um movimento de vanguarda pioneiro também na subversão da utilização das funções sociais da arte do cinema. Numa tentativa de se contrapor às inertes morais e correntes racionalistas que não foram capazes de livrar a sociedade europeia dos horrores da Primeira Guerra, o “Manifesto do Surrealismo” visava estabelecer a arte não só como refúgio para a mente, mas como mecanismo libertador dos seus mais intrínsecos desejos e razões.

No filme “Divertida Mente” (2015) os sonhos da personagem Riley são encenados como numa cena de filme em seu subconsciente

Filmes referenciados:
📽️ Um Cão Andaluz (1929) (CF)  
🎬 O Anjo Exterminador (1962)
📽️ O Discreto Charme da Burguesia (1972) (CF)
📽️ eXistenZ (1999) (CF)
🎬 Cidade dos Sonhos (2001)
🎬 Império dos Sonhos (2006)
🎬 Divertida Mente (2015)
Outras referências:
📗 Buñuel e o surrealismo: A arquitetura do sonho – Mirian Tavares
📗[2][3] Luís Buñel e as Crônicas da Burguesia: Análise Fílmica do Filme “O Discreto Charme da Burguesia” – Gabriel Santana e Júlia Monteiro
📺 Luis Buñuel: Cinema como Instrumento de Poesia – Matheus Benites
📺 Surrealismo: o sonho no cinema – AvMakers
📺 [1] O surrealismo em Um Cão Andaluz – AvMakers

6. WESTERN E A ASCENSÃO DE HOLLYWOOD

O filme considerado o pioneiro do gênero Western foi o já abordado aqui “O Grande Roubo do Trem”, de 1903. Mas esse gênero, que é considerado por muitos como um gênero genuinamente americano, teve os anos áureos de um de seus principais diretores a partir da década de 1920.[1] Durante todo o período entre o surgimento e a ascensão do gênero, diversos filmes utilizaram temáticas e técnicas consagradas do Western, mas sem tanto destaque quanto nas produções do diretor John Ford. Anteriores a ele, D.W. Griffith e Thomas Ince dirigiram os primeiros filmes de faroeste a se destacarem com o grande público, mas logo o gênero se tornou repetitivo e esses diretores abandonaram essas histórias mais clichês e se aventuraram em tramas com uma narrativa mais complexa. Porém, uma nova era chegou quando novos diretores, como John Ford, revitalizaram o gênero a partir dos anos 20.
O faroeste é um gênero que retrata um curto período da história americana em que havia uma guerra entre os povos indígenas americanos e os brancos invasores do Leste. O termo “faroeste” provém da denominação em inglês “far west” que significa Oeste distante, local amplamente explorado no período retratado para a expansão territorial americana, no intuito de expulsar os nativos e também numa busca pela riqueza do ouro nessas regiões. Com tramas moralistas e retratação histórica mítica, os filmes Western caíram na graça do público americano e também do público estrangeiro por fazer parte de um período do cinema em que a produção europeia de cinema comercial havia dado lugar a correntes vanguardistas que não alcançavam o grande público. Assim, a indústria comercial do cinema começou a ser dominada no mundo inteiro por alguns estúdios americanos que se instalaram num distrito da região de Los Angeles, chamado Hollywood. Os magnatas desses estúdios buscavam reduzir seus custos de produção e encontrar grandes e baratas locações para seus filmes, já sem tanto espaço para expandir seus galpões no até então polo de produção cinematográfico que ficava em Nova York, na costa Leste.

Famoso letreiro de Hollywood situado no Monte Lee, na área de Hollywood Hills nas montanhas de Santa Monica (Foto: Ira Bowman)

Com a instalação dos grandes estúdios como Fox, Metro-Goldwyn-Mayer, Paramount, Universal, United Artists, Warner Bros., Columbia e demais gigantes do ramo na costa Oeste americana e a ascensão de Hollywood como o novo grande polo produtivo, dois novos acontecimentos mudaram o cinema para sempre num período muito próximo. A Warner Bros. lançou o primeiro filme com diálogos e som sincronizado, “O Cantor de Jazz”, de 1927, alterando para sempre os caminhos da linguagem cinematográfica. Por outro lado, o “crash” da Bolsa de Valores deu início ao período conhecido como “A Grande Depressão”, exigindo dos estúdios muitas adaptações para continuarem atraindo o público para as salas de cinema mesmo quando as condições financeiras eram desesperadoras.
Aqui, no entanto, não vou me aprofundar nesse acontecimento histórico, mas apenas pontuar que, junto da introdução da fala ao cinema no mesmo período, esses dois acontecimentos foram responsáveis pela grande transformação do cinema para o resto da sua história. Buscando a aceitação popular, os investimentos dos grandes estúdios foram altos na produção de filmes audaciosos agregando ainda mais valor com a chegada do som sincrônico ao cinema. Grandes obras dos mais diferentes gêneros foram produzidas a partir de então, sendo o ano de 1939 o auge da era de ouro do cinema hollywoodiano.[2]

Vivien Leigh e Clark Gable numa cena do filme “…E o Vento Levou” (1939), vencedor do prêmio de Melhor Filme do Oscar de 1940

Para abordar um dos indicados a melhor filme no Oscar de 1940, que premiou os filmes do até então melhor ano da indústria cinematográfica americana, – 1939 – temos que reconhecer que John Ford foi um dos diretores mais importantes para o gênero Western – se não, o mais importante – responsável por sucessos como o próprio filme em questão “No Tempo das Diligências” (1939) e demais: “Paixão dos Fortes” (1946) e “Rastros de Ódio” (1956), apenas como exemplos. Como ator, um dos mais memoráveis do gênero foi John Wayne, que sempre aparecia em parceria com o diretor John Ford e no seu filme de 39 não foi diferente. 
No Tempo das Diligências” traz uma trama aparentemente simples, mas que se destaca de outras do gênero por dar mais espaço ao desenvolvimento psicológico dos personagens e quebrar algumas das relações de moralidade presentes na maioria dos Westerns da época. Por outro lado, o retrato dos indígenas permanecia alinhado a uma sociedade preconceituosa com os povos originários americanos que eram vistos como impostores selvagens. Em relação aos feitos técnicos, John Ford foi responsável por um filme grandioso, com sequências de ação dinâmicas e takes em movimento muito complicados para a época. Me lembro bem de uma cena em plano geral do astro John Wayne escalando entre os cavalos que puxavam uma das diligências enquanto era perseguido por impostores, numa sequência em que a trilha sonora e a montagem criam uma tensão magnífica para o longa. Assim, o filme se tornou um clássico e um dos mais reconhecidos do diretor e do gênero Western.
Tal gênero cinematográfico, devido a sua grande importância e ao enorme número de produções nos primeiros anos do cinema, perdurando relevante até meados do século XX, influenciou diversos outros gêneros e adaptações do mesmo ao redor do mundo. Desde o Oriente, passando pelo Brasil, indo até o mais proeminente e reconhecido Western Spaghetti – versão adaptada pelo cinema italiano do faroeste americano – foram incontáveis os filmes que se inspiraram, parodiaram ou até mesmo copiaram os americanos com suas tramas simples e sempre muito atrativas para o grande público, deixando remanescentes até hoje, como por exemplo o premiado “Django Livre”, de Quentin Tarantino.

“Django Livre” (2012), clássico recente do Western dirigido por Quentin Tarantino

No contexto do surgimento de Hollywood, gostaria aqui de, além de utilizá-lo como exemplar da ascendência do cinema americano do período, render homenagens a uma das figuras mais importantes do cinema mundial, o ator, diretor, produtor, roteirista e gênio Charlie Chaplin. Além de ser uma figura histórica do cinema, Chaplin é um ótimo exemplo do desenvolvimento cinematográfico dos Estados Unidos. Ele iniciou sua carreira com uma sequência extensa de curtas logo no ano de 1914, com apenas 25 anos de idade. Com seu sucesso imediato com o público, Chaplin começou a participar da produção de longas-metragens, muitos deles com o seu personagem mais icônico, Carlitos. Mas foi apenas nas décadas de 20 e 30 que ele haveria de lançar seus maiores sucessos que se tornariam clássicos do cinema mundial. “Em Busca do Ouro” (1925), “O Circo” (1928), “Luzes da Cidade” (1931), “Tempos Modernos” (1936) e, pra finalizar, “O Grande Ditador”, de 1940, são as suas obras-primas e maiores sucessos no cinema.
Chaplin representa um ícone da era do cinema mudo, que teve receio de fazer a migração para o cinema sonoro, – iniciando sua transição com o meio mudo/meio falado “Tempos Modernos” – mas que conseguiu realizar o processo com louvor lançando um dos seus filmes mais geniais, “O Grande Ditador” (1940) com um dos monólogos mais marcantes do cinema mundial.[3] A era de ouro de Hollywood, como podemos perceber por suas grandes produções do período, propiciou para Chaplin a liberdade que ele precisava para transmitir suas mais profundas mensagens através de sua comédia icônica. Uma prova clara disso, que eu posso dar ênfase na vista da obra desse revolucionário diretor/ator, é o hilário e edificante “Tempos Modernos” (1936), a despedida de seu personagem Carlitos das telas do cinema. Achava que poderia sofrer um pouco pela distância temporal da obra, mas nesse filme tive a grata surpresa de ter uma das minhas melhores experiências com obras clássicas, me fazendo considerar “Tempos Modernos” um dos clássicos atemporais do cinema como já havia escutado de muitos. Assim, o filme traz mensagens tão contemporâneas quanto passagens cômicas memoráveis num equilíbrio perfeito, a meu ver.

Adenoid Hynkel, um dos personagens interpretados por Chaplin, discursando no longa “O Grande Ditador” (1940)

Porém, como a realidade nem sempre adota uma narrativa clássica e segue para um final feliz, os tempos conturbados das décadas de 30 e 40 exigiram que o grande astro Inglês se exilasse na Suíça por ser considerado comunista devido às suas várias críticas à sociedade capitalista desigual do período. Outro acontecimento ainda culminou no desenrolar transformador do cinema do período, como já citado anteriormente, o início do segundo grande conflito mundial depois da chegada de Hitler ao poder na Alemanha.
A Segunda Guerra, como já previa Charlie Chaplin em uma de suas obras, acabou trazendo consequências irreversíveis para o mundo posterior a ela. O cinema de Hollywood que havia experimentado um crescimento vertiginoso na década de 30 acabou perdendo interesse e investimentos depois que o país adentrou na guerra e as produções foram mudando suas características e temáticas causando, consequentemente, a quase extinção dos grandes estúdios que tiveram que se adaptar para conseguir continuarem de pé após a grande transformação social que a guerra causou. Fatos que vamos observar mais a frente neste texto.

Filmes referenciados:
📽️ O Grande Roubo do Trem (1903) (CF)
🎬 Em Busca do Ouro (1925)
🎬 O Circo (1928)
🎬 Luzes da Cidade (1931)
🎬 Tempos Modernos (1936)
📽️ No Tempo das Diligências (1939) (CF) 
🎬 …E o Vento Levou (1939)
🎬 O Grande Ditador (1940)
🎬 Paixão dos Fortes (1946)
🎬 Rastros de Ódio (1956)
🎬 Django Livre (2012)
Outras referências:
📗 [1] Western – Fernando Simão Vugman, História do Cinema Mundial – Fernando Mascarello
📺 Spaghetti Western – O Faroeste Italiano – AvMakers
📺 A história por trás de Tempos Modernos de Charles Chaplin – AvMakers
📺 [3] Os bastidores de Chaplin em O Grande Ditador – AvMakers
📺 As técnicas mais usadas na comédia visual – AvMakers
📺 [2] 1939 – O ano de ouro de Hollywood 🎥🏆 – AvMakers

7. AS INFLUÊNCIAS DA SEGUNDA GUERRA

Cinema Noir

Seguindo na sociedade americana, mas agora com o início da Segunda Guerra Mundial, houve neste período e nos anos seguintes após o término do conflito o surgimento de um novo estilo estético e temático nos filmes. O contestado “gênero Noir” foi uma adaptação que o cinema sofreu ao período de crise gerado pela Segunda Guerra e serviu como um retrato histórico da sociedade de seu tempo e dos conflitos psicológicos arraigados às mentes das pessoas nesses tempos de insegurança do conflito. O termo Noir foi cunhado por teóricos franceses posteriormente ao período clássico de sua existência – por isso “Film Noir”, que significa “filme preto” numa tradução livre, em referência a clássica fotografia dos seus filmes – e por isso pode ser uma representação imprecisa do movimento cinematográfico da época. O Noir talvez nem possa ser caracterizado de fato como um gênero cinematográfico independente, mas sim como uma tendência que apresenta uma espécie de consonância estética e temática que é capaz de unir muitas obras semelhantes numa denominação de Cinema Noir. Fernando Mascarello expõe em um dos capítulos de seu livro “História do Cinema Mundial” que: “para Raymond Durgnat, por exemplo, o noir seria uma ‘atmosfera’; para Paul Schrader, um ‘tom’; Janey Place e Robert Porfirio vêem-no como um ‘movimento’; e Jon Tuska como um ‘estilo’ e uma ‘perspectiva quanto à existência humana e à sociedade’”.[1] Mas aqui, tratá-lo-ei sim como um gênero.
As inspirações do Noir vêm de muitas correntes passadas do cinema como o Realismo Poético Francês e sua representação mais crua da realidade, com filmes muitas vezes de baixo orçamento, e do Expressionismo Alemão no que diz respeito a sua estética. Influência direta da fuga de cineastas alemães do seu país natal e estabelecimento dos mesmos nos Estados Unidos. Do Expressionismo, no entanto, outras inspirações podem ser observadas, como a introdução de um maior desenvolvimento psicológico dos personagens, muitas vezes ambíguos, e uma temática de mistério, tensão e escuridão não somente no aspecto visual do filme. Toda a junção de influências, mais o contexto histórico e social, criaram um movimento único até então. Suas principais características são a narração em off, utilizada como forma de economizar cenas, a estética carregada por uma iluminação característica com alto contraste entre luz e sombras, a representação noturna das grandes metrópoles com suas ruas vazias e por último, mas não menos importante, as suas tramas simples de mistério com detetives anti-heróis, desconfiança entre os personagens e a introdução da mulher como uma ameaça ao homem e a sociedade – introduzindo o marcante conceito de “Femme Fatale” no cinema. Essas e as demais táticas do Noir para driblar o baixo orçamento num período de crise devido aos altos gastos do país com a guerra ajudaram a criar uma nova estética cinematográfica.

Cena de “O Falcão Maltês” – ou “Relíquia Macabra” – de 1941, ícone do cinema Noir

As influências da guerra não se bastaram na estética do filme Noir. As tramas também retratavam o contexto histórico e social da época com a figura da mulher ganhando relevância no ambiente produtivo já que os homens foram para o front de batalha. Com o final da guerra, a estrutura social conservadora havia se desorganizado, aumentando a desconfiança e a intolerância para com o sexo feminino que para os homens havia tirado seu lugar de dominância na sociedade americana. Além disso, a insegurança com a Guerra Fria que se iniciou pouco depois da derrota da Alemanha de Hitler propiciou também uma atmosfera social de desconfiança e temor do desconhecido, com a amedrontadora sensação de que seus amigos e vizinhos podiam ser, na verdade, espiões comunistas. Assim surgem então as tramas do Noir com seus detetives e vilões ambíguos, mulheres não mais como exemplar dos valores e morais americanos e a busca desmedida pela riqueza e poder, expondo os defeitos humanos da ganância e perversão. Defeitos esses que surgiam de todos os lados na trama, até dos próprios protagonistas, diferente do que acontecia com os protagonistas do período clássico do cinema americano que sempre buscavam obedecer aos princípios da honra e moral. O gênero representou uma realidade desajustada, trazendo críticas a sociedade do período com desequilíbrios das normas morais, medo do pós-guerra, corrupção e desorganização da estrutura social com a desconfiança entre homem e mulher.
Diversos foram os cineastas e os filmes que se encaixaram na linha cinematográfica do Noir, mas “A Dama de Shangai” (1947) é um clássico do gênero que traz diversos elementos característicos do movimento e consegue agregar as mais diversas facetas da estética e da narrativa clássica do Noir, mesmo esse sendo um gênero tão internamente díspar. O filme de Orson Welles, renomado diretor do clássico “Cidadão Kane” (1941) – considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema – apresenta quase todas as características de um Noir clássico, com cenas noturnas numa grande metrópole, corrupção, planos diabólicos da Femme Fatale e um protagonista que se deixa levar pela sedução da mulher, enquanto uma trama de mistério e intrigas vai se desenvolvendo até um clímax catártico – em uma cena icônica e marcante num salão de espelhos, inclusive. A história que conta com uma narração em off do protagonista é intrigante, mas o filme me pareceu bastante desinteressante numa revisita atual. Talvez eu saiba explicar o porquê do meu sentimento. As características do Noir foram tão pulverizadas e referenciadas à exaustão em tantas obras atuais que o clássico se tornou tão clichê que não causa nenhum interesse e se torna previsível demais para gerar tensão. Assim, a trama que se baseia nesse suspense e mistério, acaba não causando mais nenhuma empolgação. Pelo menos foi isso que me aconteceu. De qualquer maneira, o filme é um exemplar paradigmático do gênero que reúne muito da essência do Noir presentes em outros filmes anteriores, numa das obras mais incontestáveis do movimento.

Rita Hayworth, a Elsa de “A Dama de Shangai” (1947), Femme Fatale do filme

Mesmo que o Noir não possa ser considerado um gênero por uma parte dos teóricos – mesmo outra parte considerando – as suas influências e diversas referências a ele nos anos posteriores, como já citei, demonstram o tamanho da importância que o “gênero” teve para o cinema de Hollywood numa época de adversidades profundas. A sua importância vai muito além das obras futuras que se inspiraram muito nessa estética e estilos narrativos, sendo uma corrente cinematográfica muito significativa para simbolizar um período histórico único, mesmo sendo tão curta. Posteriormente ao período clássico do Noir, surgiria no próprio EUA o Neo-Noir, numa tentativa de adaptação das tramas às diversas exigências da Nova Hollywood, que veremos na sequência desse texto.

Filmes referenciados:
🎬 O Falcão Maltês/Relíquia Macabra (1941)
🎬 Cidadão Kane (1941)
📽️ A Dama de Shangai (1947) (CF)
Outras referências:
📗 [1] Film Noir, Fernando Mascarello, História do Cinema Mundial – Fernando Mascarello
📺 Film Noir – Do Preto e Branco a Luz Neon – AvMakers

Neorrealismo

O gênero Noir foi a resposta dada pelo cinema americano aos reflexos da Segunda Guerra Mundial. Já na Europa, muito mais devastada pela guerra, um outro gênero surgiria como consequência direta, o Neorrealismo Italiano. Vários pontos em comum existem entre o Noir e o Neorrealismo, principalmente em relação ao contexto histórico que ambos foram contemporâneos. Dentre tais pontos, a influência do Realismo Poético Francês é perceptível em ambas as correntes, com filmes de baixo orçamento, – mais ainda no caso do cinema italiano – retrato cru da realidade e dos problemas sociais de suas épocas, além da reformulação do papel da mulher nas obras em decorrência da alteração do seu papel na sociedade e muitas narrativas simples, mas que no caso do gênero italiano escondiam mensagens profundas e bem desenvolvidas nas tramas realísticas e cotidianas. 
O Neorrealismo tinha o interesse de apresentar uma visão da realidade e fazer críticas a sociedade do período, principalmente da destruição e outras consequências do pós-guerra de forma crua, fiel e realista, quase documental.[1] Utilizava, muitas vezes, cenários reais e locações em ruas com elenco formado por pessoas normais, não-atores. Apresentava tramas que fugiam das clássicas do cinema por apresentar uma abordagem do cotidiano, expondo problemas reais e comuns, se distanciando da fantasia. Câmera na rua, não-atores, retratação das metrópoles italianas sem nenhum destaque para os grandes cartões-postais. Todas essas são características marcantes do Neorrealismo. Seus realizadores buscavam também fugir da ideia de filmagens em grandes estúdios, dando maior simplicidade a suas obras esteticamente, no entanto, dando maior desenvolvimento a narrativa e as questões sociais que os filmes queriam deixar de mensagem moral. Como acontece em todos os gêneros, entretanto, não foram exatamente todos os filmes neorrealistas que respeitaram esses preceitos estéticos, mas a temática social é sempre uma característica em comum entre eles.
O filme dirigido pelo italiano Roberto Rossellini que estreou o gênero foi “Roma, Cidade Aberta”, de 1945, gravado ainda durante a guerra, quando tropas fascistas marchavam pelas ruas de Roma. Além de estrear o gênero no cinema trazendo diversas das características que ficaram marcadas na história, o diretor ainda se destacou pelo seu “Alemanha, Ano Zero” (1948), outro retrato das terríveis condições que a guerra deixou para a população dos países derrotados no confronto. De acordo com os próprios fundadores do gênero neorrealista, seu movimento simbolizava uma recusa às grandes produções que visavam a fuga da realidade, – uma alternativa encontrada pelo cinema para esquecer dos horrores da guerra – pois os neorrealistas queriam justamente o contrário: expor aqueles horrores para que a população conseguisse compreender o pavor gerado com o conflito e as consequências tão pavorosas quanto deixadas na sociedade pelo embate, como a miséria, a fome, o desemprego e tantas outras.

Cena de “Roma, Cidade Aberta”, de 1945, pioneiro do Neorrealismo no cinema

O Neorrealismo é um gênero estritamente ligado às consequências da Segunda Guerra e por ter surgido na Itália, retrata ainda mais a dor e o sofrimento que a população passou e ainda passava na época da gravação dos principais filmes do gênero, como o clássico “Ladrões de Bicicleta” (1948), um dos mais famosos expoentes do movimento cinematográfico italiano. Nesse filme de Vittorio De Sica, diversos detalhes nos ajudam a identificá-lo como um perfeito exemplar do Neorrealismo e uma das obras de maior sucesso do movimento. A sua estética simples, com locações em localidades pouco conhecidas de Roma, a utilização de não-atores, temática social que aborda problemas corriqueiros para tantos italianos do período e um desenvolvimento de personagens marcante podem ser apontados como pontos de destaque do filme.
A trama já se desenvolve desde o título do filme, apresentado no plural – “Ladri di biciclette” – para expor a generalidade daquela história naquele período da Itália e sua cena final, onde o protagonista e seu filho se perdem no meio de uma multidão, agrega ainda mais a essa interpretação de que aquela era uma realidade presente na vida de diversas pessoas e não uma história isolada. Com isso, é possível perceber que todo o filme foi minimamente pensado do princípio ao fim para transmitir uma mensagem com profundidade realmente cativante e com uma consciência social louvável de seu diretor, num país onde a arte acabara de passar pelas imposições do regime totalitário de Mussolini. A dramaticidade do amadurecimento forçado de Bruno, filho do protagonista do filme, para se tornar não mais o filho, mas o companheiro do seu pai é o que carrega toda a dramaticidade da trama que põe os personagens em conflitos do cotidiano da grande cidade a procura de um objeto que metaforicamente não significa nada além da simples felicidade da família.

Antonio Ricci e seu filho Bruno, personagens protagonistas de “Ladrões de Bicicleta” (1948), aparecem desolados em uma das calçadas de Roma

O movimento neorrealista perdurou apenas por cerca de uma década, quando as consequências do conflito ideológico entre capitalismo e socialismo fizeram ressurgir com a Guerra Fria tensões que iniciaram novas transformações sociais em todo o planeta. A corrente cinematográfica italiana, no entanto, deixou profundas influências para o Cinema Novo Brasileiro e na Nouvelle Vague Francesa, abordada logo a seguir. 

Filmes referenciados:
🎬 Roma, Cidade Aberta (1945)
🎬 Alemanha, Ano Zero (1948)
📽️ Ladrões de Bicicleta (1948) (CF)
Outras referências:
📗 XXII Ladrões de Bicicleta, O Cinema: Ensaios – André Bazin 
📗 [1] O Neorrealismo Italiano, A história do cinema para quem tem pressa – Celso Fábio Sabadin
📺 A estética e a temática do Neorrealismo – AvMakers
📺 O neorrealismo em Ladrões de Bicicleta – AvMakers

8. NOUVELLE VAGUE E O CINEMA DE AUTOR

A Nouvelle Vague foi um movimento cinematográfico que se iniciou na França no final da década de 50, composto por jovens diretores e críticos de cinema em contraposição ao cinema clássico (comercial) da época, trazendo visões mais pessoais e originais para seus filmes, fugindo das regras pré-estabelecidas do cinema clássico com orçamentos curtos para os padrões e temas críticos que fizeram sucesso na França e também influenciaram diversas escolas de cinema pelo mundo inteiro. A “Cahiers du Cinéma” foi a revista francesa responsável pela criação das teorias e onde se encontravam os principais teóricos por trás da Nouvelle Vague, Nova Onda, em francês. O movimento tem grande influência do Neorrealismo Italiano e buscava atribuir à arte cinematográfica uma visão mais autoral e uma distinção dos temas geralmente abordados nos filmes até então. O movimento durou pouco, de uma perspectiva histórica, – até porque uma coisa não pode ser nova, nouvelle, por muito tempo – mas influenciou profundamente o cinema posterior em todo o mundo, deixando ainda importantes contribuições na atividade de analisar filmes para sempre.[1]
Os Incompreendidos” (1959) de François Truffaut pode ser considerado o primeiro marco do movimento. Influenciado pelo Neorrealismo Italiano, o filme do consagrado crítico de cinema francês traz uma trama intimista da vida do diretor e já apresentava as demandas artísticas almejadas pelo movimento que ajudou a criar.[2] A estética, com passagens gravadas na rua e o baixo orçamento da obra são os pontos de ligação com o Neorrealismo, mas sua temática que não se prende ao social, mas ao pessoal já expressam as novas visões da Nouvelle Vague para com a arte do cinema.

Antoine Doinel, personagem principal de “Os Incompreendidos” (1959), que representa o jovem François Truffaut na sua problemática juventude

Acossado” (1960), de Jean-Luc Goddard é outro marco do movimento já com uma abordagem diferente e revolucionária em relação a montagem clássica. Além disso, sua trama que não segue uma progressão clássica traz mudanças significativas para a compreensão do cinema na época. É atribuída a Goddard a autoria da frase: “Todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário, como todos os grandes documentários tendem à ficção”. De fato, podemos perceber no seu filme uma retratação de Paris de uma maneira mais contida e realística, num viés documental, com suas ruas movimentadas e cartões postais sem tanto destaque como pontos turísticos, mas apenas como cenários comuns de uma cidade sempre apressada. O protagonista ambíguo e a relação controversa do casal principal também expõe o humanismo na retratação dos seus personagens. Aliado a isso, a conclusão quebra as expectativas do espectador, acostumado sempre a encontrar um final feliz nas obras do período até então. 
A minha experiência com esse filme foi relativamente dúbia, pois, por um lado, foi possível encontrar muita beleza na linguagem artística apresentada e em certas cenas marcantes, – principalmente em alguns diálogos – mas, por outro, o filme não me prendeu o suficiente para que a história me tocasse ou cativasse minimamente do início ao fim. Isso não é, porém, uma característica comum a todos os filmes da Nouvelle Vague, pois como os próprios diretores defendiam uma pegada mais autoral em cada uma das obras, muitas estéticas e estilos narrativos foram desenvolvidos nas produções, mas sempre se alinhando na questão da autoria e da busca pelo novo, pela transformação da arte na sociedade.
Nesse sentido que surge ainda em 1954 a Política dos Autores, proposta por Truffaut, a qual defendia que o filme deveria refletir o pensamento do/a realizador/a, o/a diretor/a, e assim ser considerado uma obra de autoria própria de tal responsável. Mesmo o cinema tendo grande influência externa e sendo o filme um produto de várias mãos, alguns autores realmente conseguem se diferenciar e transmitir suas ideias e suas características criativas diretamente para suas obras, se destacando como fazendo parte do Cinema de Autor. Como já indiquei, os vanguardistas da Nouvelle Vague Francesa são os exemplos mais claros e que tem ligação direta tanto com o movimento conterrâneo a eles, quanto ao amparo teórico proveniente da “Cahiers du Cinéma”, mas essa nova visão crítica que elevou a direção ao posto de maior importância no cinema pode ser observada em diversos outros destacáveis cineastas ao redor do mundo e ao longa da história.

Casal protagonista de “Acossado”, longa de estreia de Goddard no cinema em 1960

Cinema de Autor é estabelecer a direção como principal responsável pela linguagem e formato do filme, dando a ela o mérito de realizadora, pois antes a função era do roteirista ou argumentista.[3] Com isso em mente, podemos apontar diversos diretores que seguem esta linha mais autoral em suas obras e fogem, de certa forma, das produções estritamente comerciais, dando um palatável sabor artístico a elas. Desses cineastas eu gostaria de destacar Ingmar Bergman que, em sua carreira, tem uma trajetória cinematográfica tão interessante que merece ser estudada em particular. 
Suas temáticas e suas obras cheias de questionamentos filosóficos e personagens muito complexos são as coisas que mais me encantam no cinema de Bergman e que me fizeram destacá-lo aqui. Um belíssimo exemplar do cineasta nórdico é o filme “O Sétimo Selo”, de 1957, que agrega diversas características próprias do seu cinema numa obra que, mesmo hoje, ainda consegue ser muito cativante e bastante interessante para analisarmos a sua filosofia base. Assim como “Tempos Modernos” (1936), de Chaplin, esse filme é uma das minhas melhores experiências com obras clássicas do cinema. 
A carreira de quase 60 anos de direção do sueco Ingmar Bergman – 57, para ser exato, entre seu primeiro e último longas – é repleta de obras clássicas e atemporais. Sua abordagem existencialista e profunda dos mais antigos receios humanos, como a dúvida da existência de Deus, a busca pelo sentido da vida ou a simples relação de afeto e amor entre as pessoas são recorrentes em suas obras. O diretor sueco é uma referência para o cinema mundial e influenciou inúmeros diretores que vieram depois dele. Seu destaque e distinção de correntes cinematográficas contemporâneas a ele, devido ao seu país de origem, o tornam um movimento cinematográfico por si só. O retrato de suas memórias pessoais, o papel da mulher em suas obras e a já citada temática existencialista reúnem os principais pontos que tornam seus filmes reconhecidos por qualquer um que já tenha se aventurado em sua filmografia. Outra coisa que me encanta é que para ele não importava somente o reconhecimento crítico e intelectual de suas obras, mas a capacidade de seus longas de se conectarem com qualquer espectador e fazê-lo sentir o filme sem muitas vezes precisarem entendê-lo.

Clássica cena do filme “O Sétimo Selo” (1957), de Ingmar Bergman, que apresenta uma de suas temáticas mais recorrentes: a morte

Como falei, sua vida e suas obras merecem um devido reconhecimento especial que eu não conseguirei fazer aqui apenas nesse tópico. Me contento em citá-lo como um exemplar uno do chamado Cinema de Autor, assim como os proeminentes diretores franceses da Nouvelle Vague Jean-Luc Godard e François Truffaut e os contemporâneos Quentin Tarantino e Martin Scorsese. Scorsese que, aliás, já afirmou que: “Eu não sei como alguém poderia não ser influenciado por Bergman”;[4] e recentemente lançou mais uma de suas magníficas obras, “Assassinos da Lua das Flores” (2023), outro exemplar de sua filmografia autoral e muito característica no cinema moderno que o alçam como um dos maiores cineastas de todos os tempos ao lado de Bergman e outros gênios, pra mim.
A Nouvelle Vague, por meio de sua ruptura com o cinema clássico à época e a difusão do Cinema de Autor, causou um efeito cascata e propiciou a criação de vários “Cinemas Novos” ao redor do mundo, inclusive no Brasil, como veremos mais à frente. O movimento também influenciou o cinema Hollywoodiano que passava por um período complicado que só viria a se restabelecer com as revoluções dos novos cineastas na década de 70, muitos deles influenciados pelo movimento francês, assim como o próximo diretor que será abordado no tópico seguinte, que também desenvolveu um cinema de autor característico e bastante reverenciado. 

Filmes referenciados:
🎬 Tempos Modernos (1936)
🎬 O Sétimo Selo (1957)
🎬 Os Incompreendidos (1959)
📽️ Acossado (1960) (CF)
🎬 Assassinos da Lua das Flores (2023)
Outras referências:
📗 A Nouvelle Vague – Michel Marie
📗 [1] A Nouvelle Vague, A história do cinema para quem tem pressa – Celso Fábio Sabadin
📑 Ingmar Bergman: Mestre Da Linguagem Cinematográfica – Renildo Rodrigues
📑 [4] Ingmar Bergman, 100 anos: O cinema existencial de um investigador das angústias humanas – João Vitor Figueira
📺 [2] Nouvelle Vague: um novo cinema francês – AvMakers
📺 [3] Nouvelle Vague e o cinema de autor – AvMakers 
📺 Hitchcock/Truffaut – A história do livro que mudou o cinema – AvMakers
📺 A vocação ao heroísmo no cinema de Scorsese | “A última Tentação de Cristo” e “Vivendo no Limite” 🎬 – AvMakers

9. CONTRACULTURA, A NOVA HOLLYWOOD

Com o cinema em baixa devido a obras desconectadas das mudanças sociais dos anos 60 e também com a ascensão da televisão como meio de entretenimento cada vez mais popular, os grandes estúdios cinematográficos americanos passaram por severas crises e muitos foram vendidos para outras empresas, mantendo apenas os logotipos e marcas registradas para atrair audiência, sem qualquer influência dos antigos donos e fundadores. Os produtores continuavam com obras no estilo clássico, com narrativas que evocavam as antigas normas morais e conservadoras americanas sem se tocar que a realidade do pós-guerra e a explosão dos nascimentos que ela causou formaram um exército de adolescentes e jovens-adultos que estavam mudando a sociedade para sempre. As revoluções do Rock and roll, o movimento hippie e as drogas cada vez mais dispersas em todas as camadas sociais americanas indicavam que os novos espectadores ansiavam por novas produções que refletissem essas recentes revoluções. Era o momento do surgimento da Contracultura nos Estados Unidos.
Com isso, os produtores desses grandes estúdios, na busca por alternativas mais chamativas para o público, abriram espaço para um grande número de jovens diretores que saíam das recém-formadas faculdades de cinema americanas. Esses, com influências da Nouvelle Vague Francesa, trouxeram o cinema de autor, de certa forma, também para Hollywood. Além das novas temáticas que os filmes se aventuraram a abordar com uma sociedade sedenta por temas mais amplos do que o cinema convencional, os novos diretores causaram várias outras mudanças no já estabelecido mercado cinematográfico americano, trazendo mais contornos artísticos a seus filmes e elevando bastante os níveis de criatividade e inventividade das produções.

James Dean, protagonista do filme “Juventude Transviada” (1955), um dos primeiros filmes a trazer uma temática adolescente para o cinema da época

Exemplo da influência e intercâmbio das ideias da Nouvelle Vague com o cinema Hollywoodiano desse período é o encontro entre o crítico e diretor François Truffaut e o diretor inglês, apadrinhado por Hollywood, Alfred Hitchcock. Hitchcock se encontrou com François Truffaut para uma entrevista em 1962. O crítico francês, mesmo antes de seus maiores clássicos, já considerava Hitchcock um verdadeiro mestre da arte do cinema, mesmo que muitos não enxergassem isso, e por isso decidiu se encontrar pessoalmente com ele. Mesmo em seus filmes mais básicos desde antes da era da Nova Hollywood, Truffaut viu uma capacidade de utilização da linguagem cinematográfica como poucos conseguiam. Alfred Hitchcock, cineasta desde décadas atrás, atravessou as mudanças da Nova Hollywood e foi capaz de se adaptar às novas tendências da indústria e se manter relevante ao longo de toda sua carreira, se tornando também um diretor pop, com programa de TV e tudo. Assim podemos perceber também por que Hitchcock se enquadra no cinema de autor e como Hollywood foi o seu lugar de ascensão pois permitiu que ele introduzisse a arte, assim como na visão de Truffaut, ao cinema comercial industrial americano.
Talvez o filme que eu abordarei para representar esse período não se encaixe perfeitamente no contexto histórico, mas seu diretor tem muito a acrescentar a respeito do novo modo de se fazer cinema em Hollywood e por isso eu pus sua grande obra aqui nesse tópico. No seu “Janela Indiscreta” (1954), anterior a famosa entrevista com Truffaut e anterior até mesmo ao período de desenvolvimento da Nova Hollywood, Hitchcock traz metáforas tanto ao teatro, quanto ao próprio cinema quando nos coloca boa parte do filme na posição de seu protagonista – Jeff, um fotógrafo acidentado – e através da geografia da paisagem, com o espectador (Jeff e nós) imóvel diante de um cenário que não muda (a vizinhança e a tela do cinema), mas onde acontecimentos diversos ocorrem diante de seus olhos (a história diegética e o filme). Essa capacidade de utilização da metalinguagem no cinema foi um dos pontos de admiração de Truffaut com o cineasta inglês. 
O filme traz também o contraste entre as visões de mundo do passado e do presente (da época), antecipando um contexto de reformulação das morais de Hollywood, com discussões sobre os relacionamentos e o casamento como castração para o protagonista. Também é preciso pontuar que o filme tem, muitas vezes, uma visão machista e misógina em relação às mulheres através do seu protagonista, apontando ainda uma adequação e um encaixe nas normas morais e industriais que vigoravam até então. Dessa forma, esse filme não se apresenta como uma obra revolucionária como um todo, mas que, em certo nível, já apresentava uma tentativa de diferenciação da linguagem para um patamar um pouco mais sofisticado. Hitchcock realmente já foi contestado em relação a essas temáticas em seus filmes, mas, sem dúvidas, isso não deixa de fazer do filme um suspense primoroso da mente de seu genial realizador.
O filme em questão ainda aborda o desejo de Jeff pelo absurdo, pela concretização do crime que sua imaginação projetou e pela sua conexão com o assassino, uma posição que ele inconscientemente almeja, criando assim um suspense psicológico magnífico e uma ambiguidade no papel do mocinho, uma característica que só se tornaria mais comum após a popularização do novo cinema hollywoodiano. Tudo isso foi capaz de demonstrar a Truffaut, tocado por suas obras lá da França, que Hitchcock não era só mais um diretor do cinema industrial americano, mas tinha “autoralidade” suficiente para ser considerado um verdadeiro autor de filmes. 

Jeff, com um binóculos, observando sua vizinhança pela janela, cena que se repete várias vezes em “Janela Indiscreta” (1954), de Hitchcock

Contudo, Hitchcock já era um veterano no cinema na época da Nova Hollywood. Os verdadeiros revolucionários do período foram os jovens diretores, como já mencionei. Dentre eles, podemos citar, por exemplo, Martin Scorsese, Stanley Kubrick, Brian De Palma, Terrence Malick e Francis Ford Coppola, diretor do clássico “Apocalypse Now” (1979) e de uma das trilogias mais icônicas da história do cinema: “O Poderoso Chefão”. Outros ainda mais novos conseguiram realizar cada um suas próprias revoluções cinematográficas. Falo de George Lucas e Steven Spielberg.
Um outro gênero que foi revisitado no período – se é que podemos chamá-lo de gênero, como vimos – foi o Noir. Com a contracultura surgiria o Neo-Noir que não se distanciou tanto assim das temáticas e estéticas do Noir clássico, mas foi de encontro a ele aplicando algumas atualizações às temáticas e aos contextos históricos e sociais. Como clássico do gênero concebido no período, posso citar o filme “Chinatown” (1974), de Roman Polanski.
O movimento da Contracultura se exauriu com o fortalecimento de uma nova corrente conservadora nos Estados Unidos que barrou tamanha inventividade que o cinema estava propiciando aos seus mais jovens realizadores. Outro ponto importante é o surgimento do efeito Star Wars no cinema, que mostrou às produtoras o poder lucrativo não só das bilheterias, mas também dos produtos que são vendidos pelos filmes. Assim, os estúdios perceberam que o público podia ser extorquido melhor não com histórias cativantes, mas com outros produtos provenientes das telas para o mercado de mascotes e que podiam utilizar o filme não como produto principal, mas como um elemento de marketing da nova indústria cultural florescente.

“Chinatown” (1974) é um exemplar do gênero Neo-Noir que surgiu no período da Nova Hollywood

Filmes referenciados:
📽️ Janela Indiscreta (1954) (CF)
🎬 Juventude Transviada (1955)
🎬 Chinatown (1974)
🎬 Apocalypse Now (1979)
Outras referências:
📗 A Metáfora do Espectador, O Olhar e a Cena – Ismail Xavier 
📺 Nova Hollywood – A Geração que Salvou os Estúdios – AvMakers
📺 Hitchcock/Truffaut – A história do livro que mudou o cinema – AvMakers
📺 O SOM no cinema de HITCHCOCK – AvMakers

10. NOVAS FORMAS DE ENXERGAR A SOCIEDADE

Cinema-Verdade

Quando eu era mais novo eu não compreendia como o documentário podia ser conectado ao cinema. Pra mim um documentário não poderia ser nada mais além de uma reportagem ou algo do tipo. Um gênero totalmente televisivo e que nem chegava perto de um filme. Depois de algum tempo foi que esse meu preconceito foi sendo quebrado e eu pude ver no documentário as belezas artísticas que eu conseguia enxergar nas ficções cinematográficas. Curioso é o fato de o documentário ter sido o primeiro gênero cinematográfico de todos com obras como “A Chegada do Trem à Estação”, de 1896, sendo responsáveis por apresentar o cinema ao mundo. Dessas primeiras passagens documentais, como eu já abordei lá atrás, o cinema adquiriu a capacidade de contar histórias mais complexas e mais criativas, mas o documentário nunca foi abandonado neste percurso. 
Tenho que citar também que, mesmo antes de considerar o documentário como cinema, eu sempre me encantei pela vertente do Documentário Natural ao estilo de obras clássicas do estilo no qual David Attenborough imortalizou suas narrações para as produções da BBC. As séries documentais “Planeta Terra” sempre me encantaram e ainda me encantam. Mas, nos últimos anos, não só a beleza natural do planeta que me fez entender e apreciar o documentário como arte.
O Documentário sempre existiu no cinema, desde seus primórdios, mas o marco fundador do gênero de forma independente e exemplar da utilização do filme para contar uma história real, sem narrativa ficcional, foi “Nanook, o Esquimó”, de 1922. A obra do diretor Robert Flaherty expunha a vida remota dos povos originários do Ártico e foi considerada a pioneira na perspectiva do cinema a utilizar a câmera para expor uma narrativa da realidade numa estrutura fílmica capaz de transmitir a veracidade do contexto abordado sem interferências ficcionais. No entanto, existem controvérsias a respeito da representação estereotipada que o diretor deu a esses povos do Ártico e passagens que foram gravadas para o documentário apenas como encenações de costumes e tradições daquelas pessoas.

“Nanook, o Esquimó” de 1922, dirigido por Robert Flaherty depois de suas viagens ao Ártico e contato com o povo inuíte

Ao longo da história, com o desenvolvimento do cinema, também foram desenvolvidas diversas abordagens para o documentário. O Cine-Olho de Dziga Vertov, por exemplo, foi uma das primeiras correntes a surgirem, com a utilização da câmera como extensão do olho humano, como defendia o cineasta soviético. Para além disso, a corrente cinematográfica do Kino-Olho apontava a câmera como meio superior ao olho na capacidade de retratar a realidade e transmitir uma mensagem ideológica dos seus realizadores. 
Ainda nessa perspectiva de correntes documentais ao longo da história, pode-se citar também a utilização do documentário como propaganda clara e explícita, como feito pela cineasta Leni Riefenstahl para o partido nazista alemão com seu infame filme “Triunfo da Vontade”, de 1935.
Já nos anos 60 surgem duas correntes documentais muito importantes que se conectam em alguns pontos e se distanciam em outros. Me refiro ao Cinema Direto e ao Cinema-Verdade. O Cinema Direto é uma vertente do documentário que buscava enxergar a realidade da sua forma mais crua e sem nenhum tipo de interferência ou manipulação narrativa com uma abordagem mais observacional possível. Destaque para o documentário que seguiu a trajetória do presidente John F. Kennedy nas eleições primárias do seu estado, nos Estados Unidos, “Primárias” (1960), de Robert Drew. 
Edgar Morin e Jean Rouch, no entanto, propõem um outro tipo de cinema documental na França. O Cinema Verdade encontra sua forma de retratação da sociedade a partir da interferência de seus realizadores e se apresenta como uma forma nova de cinema com empenho sociológico e filosófico e com uma abordagem totalmente inovadora do documentário. Assim, o Cinema-Verdade tem ligação com o Cinema Direto na medida em que ambos estão interessados em representar nas telas a realidade do seu período e propor maneiras inovadoras para tal, mas tem visões e propostas diferentes, assim como suas realizações são muito distintas.
O Cinema Verdade é um gênero documental participativo com grande influência de seus realizadores na realidade mostrada e um dos maiores, se não o maior, exemplar desse movimento é o filme de 1961 “Crônica de um Verão”. Neste filme, o documentário assume-se como ferramenta científica sociológica e busca exprimir a realidade de forma espontânea por parte dos seus personagens. Existem interpretações diferentes a respeito da real possibilidade de expor a situação das pessoas diante das câmeras de forma verídica. Inclusive dentro do próprio filme isso é citado pelos próprios personagens. A obra que também pode ganhar fins antropológicos e etnográficos conta com grande participação criativa dos produtores e até mesmo com a apresentação da obra final para as pessoas que participaram das gravações, que ainda puderam opinar sobre o resultado. Tudo isso acabou indo para o corte final, somando-se a isso tudo a longa conversa entre seus dois diretores a respeito dos resultados atingidos pelo filme que acabaram de gravar. Essa metalinguagem do seu cinema apresenta muito sobre o Cinema-Verdade e sobre sua abordagem social.
Com certeza o documentário é e continuará sendo um meio de retratação histórica único, como sempre foi no decorrer dos anos até aqui. Por mais que abordagens diferentes tenham sido tomadas ao longo do desenvolvimento do cinema, é sempre importante ter um meio de captar com a câmera os reflexos da realidade de maneira inovadora e carregada de criatividade. Um cineasta que conseguiu realizar isto muito bem aqui no Brasil e se destacou como um dos maiores documentaristas do mundo será abordado logo mais nesse texto.

Durante as filmagens de “Crônica de um Verão” (1961) transeuntes foram abordados nas ruas de Paris com a pergunta: “Você é feliz?”

Filmes referenciados:
📽️ A Chegada do Trem à Estação (1896) (CF)
🎬 Nanook, o Esquimó (1922) 
🎬 Triunfo da Vontade (1935)
🎬 Primárias (1960)
📽️ Crônicas de um Verão (1961) (CF)
Outras referências:
📗 Crônica de um verão: cinema como experiência sociológica – Fagner Torres de França e Maria da Conceição de Almeida
📺 Cinema Direto e Cinema Verdade | História do Documentário – Matheus Benites
📺 A forma do cinema documentário – AvMakers
📺 Nanook: 100 anos do primeiro documentário – AvMakers

Cinema Novo Brasileiro

Intelectuais e teóricos do cinema propuseram uma nova maneira de se fazer cinema no Brasil, dando origem assim ao Cinema Novo. Roteiro parecido ao que havia ocorrido anos antes na França. A semelhança não foi uma mera coincidência. O movimento francês realmente inspirou os brasileiros, tocados pelo pioneirismo dos críticos que se lançaram às ruas para filmar seus filmes com baixíssimo orçamento e só com as suas ideias inovadoras foram capazes de fazer uma revolução no cinema mundial. Além da Nouvelle Vague, o Cinema Novo também foi muito influenciado pelo Neorrealismo Italiano, sua estética e suas temáticas voltadas ao social, sempre com críticas às condições de desigualdade, pobreza e com um retrato cru da realidade sofrida dos mais pobres. Isso principalmente na primeira fase do movimento.
O marco inicial do movimento foi o filme “Rio, 40 Graus” (1955) de Nelson Pereira dos Santos e já apresentava a ideia de contraponto aos filmes no estilo da Vera Cruz, filmes comerciais que se inspiravam no cinema clássico de Hollywood buscando o apuro técnico sem nenhuma preocupação com o social. A mesma Vera Cruz que até conseguiu desenvolver sucessos de crítica como “O Cangaceiro” (1953), ganhador de prêmios em Cannes, mas que representava um cinema emulador da indústria americana e que logo entrou em colapso e faliu. O filme de estreia de Nelson Pereira dos Santos de 1955 iniciou a corrente do Cinema Novo ao passo que apresentou um mergulho profundo nas diversidades da classe pobre brasileira, numa história gravada nas favelas do Rio de Janeiro. Nelson Pereira ainda lançaria mais um clássico do Cinema Novo em 1963, “Vidas Secas”, adaptado do romance de Graciliano Ramos.

“Vidas Secas” (1963) é mais um exemplar do Cinema Novo de Nelson Pereira dos Santos, alinhado a primeira fase do movimento

Além de Nelson Pereira, outros vários jovens diretores são de extrema importância para o movimento de vanguarda brasileiro, mas aqui me conterei a analisar um representante em particular, cujas obras representam quase que a totalidade das ambições da nova corrente cinematográfica brasileira e cuja produção intelectual ainda serviu de base para a análise de suas obras e de seus colegas do período. Me refiro, claro, a Glauber Rocha. Outro motivo pelo qual reservei um espaço um pouco menor neste texto para esse momento tão importante do nosso cinema nacional é que em breve farei um artigo com foco somente no cinema brasileiro, fazendo uma revisita histórica desde os primórdios da sétima arte em território tupiniquim e desvendando cada um dos pequenos pontos de virada da arte no país. Para isso eu preciso ainda realizar uma pesquisa mais aprofundada e aumentar o meu repertório com algumas obras clássicas do cinema nacional que eu ainda não experienciei.
Voltando enfim ao tema deste subtópico, o Cinema Novo de Glauber Rocha encontra o sucesso já no seu segundo longa, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de 1964. Baseado na sua “Estética da Fome”, a qual Glauber esclareceu aos críticos internacionais com seu artigo de 1965, o filme traz uma abordagem profunda e um retrato histórico chocante da sociedade sertaneja do interior nordestino. Com alto realismo e crueza das imagens, influências do Neorrealismo, o diretor também se inspirou em outras correntes do cinema mundial como a Nouvelle Vague e o Western, além de referências do cinema de Eisenstein. A trama é deverás monótona, lenta e muitas vezes adota uma pegada teatral e aborda temas como a ambiguidade da religião e o poder do coronelismo no contexto histórico retratado. O vaqueiro Manoel, que na trama busca salvação na figura de um beato, acaba adentrando num caminho sem saída onde ele precisa escolher entre dois caminhos: as armas e a violência ou a fé e a austeridade do sacrifício. Mesmo sendo um grande clássico do período, existe um outro filme de Glauber nesse mesmo universo que me agradou mais por apresentar como protagonista o meu personagem favorito de “Deus e o Diabo”, Antônio das Mortes. 
No filme de 1969, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” – também intitulado no exterior como “Antonio das Mortes” – traz o seu personagem título nesta continuação da trama do filme de 64 numa trajetória de redenção digna de jornada do herói. Neste caso, do anti-herói. Com a percepção da realidade a sua volta a qual sempre fez parte e ajudou a construir, Antônio se vê arrasado pelos problemas que assolam os inocentes miseráveis sertanejos de uma cidadezinha dominada por um poderoso coronel quando o tal contrata Antônio para se livrar da ameaça de um novo cangaceiro. Assim, Glauber Rocha é capaz de transmitir mais uma vez suas mensagens, mas com um tom mais abrangente e uma direção mais sóbria que não deixa de ter sua característica “Estética da Fome”, com o adjunto da violência como resposta a essa mazela, assim como defende no artigo e apresenta também no primeiro filme. O sucesso desse filme rendeu a ele o prêmio de melhor direção em Cannes no mesmo ano. 

Antônio das Mortes (esquerda), o matador de cangaceiros, e Coirana (direita), dito o último cangaceiro, em “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969)

Como retrata em seu texto “Estética da Fome”, considerado quase que um manifesto do Cinema Novo, Glauber Rocha aponta que o cinema brasileiro e todo o cinema do terceiro mundo ainda estava colonizado e precisava se libertar dos estereótipos estabelecidos pelos europeus para com a arte nesses países subdesenvolvidos. Para não somente transformar o contexto das produções dominadas pela indústria comercial, mas para, acima de tudo, criar uma identidade própria para o cinema brasileiro, o Cinema Novo trouxe uma alternativa que buscava apresentar as mazelas da sociedade sem qualquer tipo de alegorias ou eufemismos, da forma mais cruel e visceral possível. Geralmente, nesse primeiro momento, as obras eram ambientadas no Nordeste brasileiro e tinham temáticas relacionadas à religiosidade e à miséria. O texto foi publicado em 1965, um ano depois do golpe militar que instauraria uma ditadura no país e mexeria também com o contexto artístico no Brasil, não somente mas, principalmente com a censura. Assim, a segunda e a terceira fase do movimento vanguardista mudaram os focos destas temáticas enfatizadas por Glauber, primeiro para uma discussão mais política e ambientação nas cidades em contraponto ao campo como na era anterior, e depois com obras que traziam mensagens subliminares de seus realizadores numa tentativa de burlar as censuras da ditadura, mas que já adotavam uma estética muito mais convencional que geraram maior aceitação popular. Entretanto, com a ascensão do regime militar no país o Cinema Novo não conseguiu sobreviver por muito tempo, como ressalta Celso Fábio Sabadin: “Porém, o lema dos cinemanovistas, ‘Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão’, não poderia mais ser levado adiante num país cujo governo militar não permitia ideias na cabeça”.[1]
O Cinema Novo foi um movimento cinematográfico brasileiro iniciado nos anos 60 que teve grande destaque internacional, mas com uma pegada muito intelectual, os filmes do movimento nunca conseguiram atingir o grande público no Brasil, ficando restritos à própria classe artística requintada e aos críticos do exterior. Problema esse que foi reconhecido pelos próprios cineastas da “Nova Onda Brasileira”. Mesmo assim, esse curto período da história do cinema brasileiro transformou tão profundamente a arte no país que é o mais estudado gênero cinematográfico de todos os exemplares do Brasil.

Filmes referenciados:
🎬 O Cangaceiro (1953)
🎬 Rio, 40 Graus (1955)
🎬 Vidas Secas (1963)
📽️ Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) (CF)
🎬 O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969)
Outras referências:
📗 Uma Estética da Fome – Glauber Rocha
📗 Sertão Mar: Glauber Rocha e a Estética da Fome – Ismail Xavier
📗 [1] O Cinema Brasileiro Chega ao Mundo, A história do cinema para quem tem pressa – Celso Fábio Sabadin
📑 Glauber Rocha e a sua estética da fome – Rafael Alessandro
📺 Glauber Rocha: Uma Estética da Fome – Matheus Benites
📺 Cinema Novo Brasileiro – AvMakers
📺 Cinema Novo e a Estética da Fome – AvMakers
📺 O que foi o CINEMA NOVO? – Cinédito

11. CINEMA LATINO-AMERICANO

Seguindo a proposta da minha matéria de Ciclo de Filmes vamos observar agora um cinema mais próximo geograficamente, mas distante do ponto de vista do consumo ou da nossa relação atual com ele. O tão próximo, mas tão distante Cinema Latino-Americano. Atualmente, somos muito mais influenciados pelas culturas cinematográficas de língua inglesa do que de línguas latinas e isso reflete muito o passado e o presente do Brasil como território dominado pelo imperialismo estrangeiro. Porém, ao longo do século XX, houveram movimentações muito importantes na América Latina numa tentativa de unificar e agregar o cinema da região e criar um movimento revolucionário próprio para a arte de seus países.
Nós do Brasil compartilhamos muito da nossa história com nossos irmãos falantes do Espanhol. Além do passado colonial, um presente comum no século passado foi a influência americana e a instauração de governos autoritários em diversos desses países da América, como Argentina, Chile e evidentemente o Brasil. Com as histórias em comum a esses países, como as ditaduras militares e o subdesenvolvimento frente ao ocidente do hemisfério norte do globo, além da  grande influência do cinema exterior nos seus territórios, foram os vanguardistas do Cinema Novo os primeiros a proporem uma união entre os cinemas de cada um desses países latinos para uma produção intelectual e fílmica próprias. Glauber Rocha foi um dos pioneiros a imaginar um cinema latino-americano unificado que poderia lutar junto pelos ideais revolucionários que a arte possibilitaria trazer para todo o terceiro mundo. Seu clássico “Terra em Transe” (1967) evidencia ainda mais essa preocupação com a união regional.

Em “Terra em Transe” (1967) a trama se passa num país latino-americano fictício chamado Eldorado

A partir do Encontro de Cinema Latino-americano de 1967, no V Festival Cinematográfico de Viña del Mar, no Chile, as propostas de um cinema mais participativo foram discutidas por cineastas de diversas partes da América-Latina. As propostas iam desde as temáticas, que deveriam se preocupar com o retrato interno de cada cultura, a uma proposição do Cinema de Autor como estilo cinematográfico principal, favorecendo a criatividade e inventividade das obras em contraponto as clássicas obras que vinham de Hollywood e as nacionais que as emulavam. Daí surgiu o termo Terceiro Cinema, um cinema do terceiro mundo que buscava fugir das ideias de cinema hollywoodiano e europeu, o primeiro mundo.
Foi com a revolução cubana que surgiu um dos mais importantes veículos viabilizadores do cinema na América-Latina. O Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), além de patrocinar obras cubanas também coproduziu filmes em diversos outros países. Mas é de Cuba que vem a obra central em questão deste tópico, o primeiro e único filme da diretora Sara Gómez, “De Certa Maneira” (1977). O longa foi gravado em 1974, mas a diretora morreu antes de concluir sua produção, que só foi lançada em 1977.
No filme podemos encontrar diversos pontos propostos nos intercâmbios culturais entre cineastas latinos anteriores a sua produção. Mesmo sendo uma produção amparada pelo estado, o contexto do filme, que mostra uma Cuba após a revolução de maneira crítica e com apurado grau de realismo, apresenta críticas sociais à pobreza e as implicações que a revolução causou na moral dos cidadãos cubanos. A diretora se mostrou livre para desenvolver uma obra bastante autoral, com estilo e estrutura narrativos próprios, misturando o real com o documental. Uma das principais e mais marcantes cenas do longa se repete algumas vezes durante sua duração, uma bola demolição que anuncia a derrubada dos antigos alicerces da sociedade cubana conservadora para dar lugar ao novo modo de vida pós-revolução. Nisso tudo podemos ver as claras influências do Neorrealismo e da Nouvelle Vague, com seu Cinema de Autor, assim como defendia o movimento do “Nuevo Cine Latinoamericano”.  
As mesmas pressões políticas que enfraqueceram o Cinema Novo Brasileiro também ocorreram nos diversos países do continente e impuseram aos seus cineastas mais radicais a fuga e refúgio em outros países, principalmente da Europa. Assim, o cinema latino-americano se enfraqueceu novamente e o cinema norte-americano terminou de concretizar sua conquista da hegemonia na região. Nas décadas de 80 e 90, porém, houveram retomadas das produções latinas com a atmosfera de maior liberdade política e social para a arte e daí vários filmes trouxeram referências a esses movimentos clássicos de seus países, mas adotando um estilo mais comercial para poderem garantir o lucro para suas produções num mercado já dominado pelas obras do exterior que não permitiam mais espaço para muitas experimentações como os antigos haviam feito. Dessa nova onda de filmes surgiram alguns clássicos que revitalizaram o cinema nacional nos seus respectivos países, mesmo ainda enfrentando o preconceito de parte de sua própria população com obras conterrâneas.

Protagonistas do filme “De Certa Maneira” (1977), de Sara Gómez, exemplar do “Nuevo Cine Latinoamericano”

Atualmente, nos anos mais recentes, são mais notáveis para nós as obras que o cinema latino-americano anda produzindo, muitas delas em parceria com produtoras estrangeiras numa forma de adaptação do modelo de produção, sem deixar de lado a cultura de seus países. Alguns diretores importantes do cinema hollywoodiano também migraram da América Latina, a exemplo de Alfonso Cuarón e Guillermo del Toro. Percebo que ultimamente ocorre uma redescoberta da nossa contiguidade tão óbvia com os nossos países vizinhos e obras como “Argentina, 1985” (2022) demonstram essa proximidade tanto geográfica, quanto histórica. Outras experiências nos mais diversos gêneros também andam se destacando, como é o caso do recente argentino “Cuando Acecha la Maldad”, – título original – filme desse ano (2023) que está gerando muitos comentários entre os entusiastas do cinema de horror. 
Enfim, fica clara nossa carência em conhecer o nosso próprio cinema e os cinemas vizinhos irmãos que passaram por movimentos e repressões tão parecidos aos ocorridos aqui em terras brasileiras. Somente assim seremos capazes de perceber que não fazemos fronteira com os Estados Unidos ou a Europa, mas sim com Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Equador e tantos outros países ao nosso redor na América Latina.

Filmes referenciados:
🎬 Terra em Transe (1967)
📽️ De Certa Maneira (1977) (CF)
🎬 Argentina, 1985 (2022)
🎬 Cuando Acecha la Maldad (2023)
Outras referências:
📗 O feminismo de Sarita: limiar, dialética e interseccionalidade em De Cierta Manera – Cláudia Mesquita e Roberta Veiga
📑 Cinema Latino-Americano – Katia Kreutz
📑 Nuevo Cine Latinoamericano – Carlos Trilnick

12. COUTINHO E O DOCUMENTÁRIO NO BRASIL

Nenhum dos outros diretores que eu citei aqui tiveram um tópico específico só para eles, não por não merecerem ou não terem importância suficiente, mas Eduardo Coutinho para o documentário no Brasil foi uma figura de importância única e por isso tem seu próprio espaço aqui. Como já abordei lá atrás, o documentário “Nanook, o Esquimó” (1922) foi o marco inaugural para o gênero documentário no cinema e apresentou a linguagem de retratar a realidade como o componente narrativo que guia o direcionamento da obra. Coutinho criou sua própria revolução do gênero e por tal razão foi reverenciado no mundo inteiro por suas obras.
Coutinho começou a sua carreira como diretor no programa Globo Repórter, da TV Globo, onde pôde experimentar a produção de documentários televisivos, mas também teve certa liberdade para dar toques de “autoralidade” às suas primeiras obras. A passagem pelo Globo Repórter possibilitou também que ele conseguisse dinheiro e amparo técnico para realizar suas primeiras produções independentes, além de grande experiência técnica e prática. Um exemplar dessa primeira fase de Coutinho é o seu curioso filme “Teodorico, o Imperador do Sertão”, de 1968.

Teodorico, o personagem central da obra que leva o seu nome, com direção de Eduardo Coutinho, exibida no Globo Repórter

Em uma caravana pelo país em 1962, como integrante do Centro Popular de Cultura da UNE, Coutinho se depara com uma história digna de filme que logo chama a sua atenção. A história em questão é da vida e da morte de João Pedro Teixeira, líder camponês da Paraíba que foi assassinado por donos de terras da região. Influenciado pelas ideias do Cinema Novo, Coutinho decide filmar um longa-metragem que recontaria a história da vida de João Pedro, tendo como participante a viúva dele atuando como ela mesma, Elizabeth Teixeira. As filmagens foram iniciadas em 1964 numa locação em Pernambuco, com os atores do filme sendo os próprios moradores da região, mas o golpe militar pôs fim às gravações e quase destruiu todo o conteúdo filmado até então, que só se salvou porque já tinha sido enviado para o Rio de Janeiro para a revelação.
O ponto chave dessa história e que fez surgir uma das obras-primas do cinema brasileiro é que 20 anos após as primeiras filmagens, Coutinho voltou a locação onde haviam sido gravadas as primeiras sequências do seu filme e decidiu finalizar sua obra, agora no formato de um documentário abordando a história dos atores da obra original e a história de vida dos personagens do filme depois de um período de perseguição severa da ditadura. “Cabra Marcado Para Morrer” deixa de ser então uma ficção biográfica e se torna um documentário tão real e tão cativante quanto poderia ser a história de João Pedro Teixeira.
O filme conta com um formato de documentário mais clássico, com narração em off e entrevistas com os integrantes do elenco e familiares de Elizabeth Teixeira, a qual vira a protagonista desse novo filme. Além de apresentar as primeiras filmagens para os atores da obra original, que jamais haviam visto suas performances antes, Coutinho faz uma jornada de pesquisas e descobertas numa cruzada em busca de cada um dos filhos do casal que seria protagonista de sua obra. Assim, temos surpresas tocantes e nos deparamos com Elizabeth Teixeira escondida em uma cidadezinha do Rio Grande do Norte, onde se isolou na tentativa de fugir da perseguição da ditadura. Coutinho, no entanto, consegue encontrá-la com a ajuda de um de seus filhos e nos põe diante de uma personagem tão interessante quanto qualquer outra escrita num roteiro de ficção. A realidade cruel que é apresentada no novo filme de Coutinho choca ainda mais por ser real e ter acontecido durante aquele período tenebroso da história do nosso país. Essa reconstituição da sua obra original apresenta ao mundo a genialidade que já aparecia de forma contida em suas produções anteriores, mas aqui se torna clara.

Elizabeth Teixeira no filme “Cabra Marcado Para Morrer”, de 1984

Essa, sem dúvidas, é a sua obra mais famosa, mas muitas outras posteriores alcançaram patamares tão sublimes quanto, apresentando uma linha documental bem diferente dessa aqui.
No período de transição entre seus trabalhos no Globo Repórter e suas produções independentes, como aborda Consuelo Lins em seu livro “O Documentário de Eduardo Coutinho”, o diretor produziu alguns outros documentários que apresentam muitas dissonâncias entre si. Não necessariamente no sentido da qualidade das obras em si, mas em relação aos conteúdos e as formas como eles foram abordados. Nesse período de sua carreira estão os documentários: “Volta Redonda – Memorial da Greve” (1989), “O Fio da Memória” (1991), “Boca de Lixo” (1993) e “Os Romeiros do Padre Cícero” (1994). “Volta Redonda”, “O Fio da Memória” e “Romeiros” apresentam uma pegada documental mais clássica, mas é em “Boca de Lixo” que suas abordagens características se destacam mais. Não que nas outras obras não existam diferenciais interessantes, como por exemplo a temática da memória que se apresenta recorrentemente em seu cinema e que tem papel fundamental no seu filme de 1991, mas “Boca de Lixo” está destacado numa vertente que consagraria Coutinho como nenhum outro documentarista até então.[1]
Nessa vertente característica do cinema de Coutinho sua abordagem documental quase sempre tinha os pobres como protagonistas e a análise psicológica intimista também ajudava a dar um ar de filme profundo e visceral na retratação da verdade de seus personagens. “Santa Marta – Duas Semanas no Morro” (1987), “Santo Forte” (1999) e “Babilônia 2000” (1999) são os maiores exemplares, ao lado de “Boca de Lixo”, – como já citado – dessa perspectiva de análise humana, em particular das pessoas das classes mais baixas da sociedade, que Coutinho trouxe para suas obras. Não me aprofundarei tanto assim no seu cinema quanto gostaria, pois reservarei esse conteúdo para o meu artigo referente ao cinema brasileiro.
Entretanto, podemos citar também outras obras do diretor como “Edifício Master” (2002) e “Peões” (2004) para demonstrar que suas histórias captadas por suas lentes não esgotaram sua capacidade artística de assimilar a realidade das maneiras mais diversas, sem deixar de ser cativante como as outras.

Coutinho em sua abordagem participativa no documentário “Peões” (2004)

Coutinho, até o final de sua vida, ainda continuou se aventurando e experimentando novas linguagens documentais como podemos ver em um exemplar ímpar da sua filmografia, o excêntrico longa-metragem “Um Dia na Vida” (2010), que é simplesmente uma sequência de passagens da televisão brasileira sem qualquer narrativa ou sequência lógica de eventos, apenas alguns títulos que trazem a hora do dia que cada pequeno trecho foi exibido na TV. O filme é tão contraintuitivo que nem pôde ser lançado de fato pelo realizador não possuir os direitos de imagem daqueles programas exibidos por parte dos canais de TV brasileiros.
Mas, para finalizar esse apanhado da história de Eduardo Coutinho, abordarei o seu último documentário. O filme que me foi uma surpresa quando encontrei evoca um dos seus temas mais abordados, a memória. Depois de anos sem notícias dos personagens do seu mais famoso filme, “Cabra Marcado Para Morrer”, Coutinho vai em busca dessas pessoas novamente e descobre histórias ainda mais interessantes por parte delas e ainda reencontra Dona Elizabeth Teixeira, que dá nome à obra, e que continua lúcida do alto de seus impressionantes 89 anos de idade – 98 anos, hoje –, mesmo depois de tantas situações complicadas que experienciou na sua vida. “A Família de Elizabeth Teixeira” (2014) é uma volta às suas origens para Coutinho, já nos últimos anos de sua vida.

Filmes referenciados:
🎬 Nanook, o Esquimó (1922) 
🎬 Teodorico, o Imperador do Sertão (1968)
📽️ Cabra Marcado Para Morrer (1984) (CF)
🎬 Santa Marta – Duas Semanas no Morro (1987)
🎬 Volta Redonda – Memorial da Greve (1989)
🎬 O Fio da Memória (1991)
🎬 Boca de Lixo (1993)
🎬 Os Romeiros do Padre Cícero (1994)
🎬 Santo Forte (1999) 
🎬 Babilônia 2000 (1999)
🎬 Edifício Master (2002)
🎬 Peões (2004)
🎬 Um Dia na Vida (2010)
🎬 A Família de Elizabeth Teixeira (2014)
Outras referências:
📗 Vitória sobre a lata de lixo da história, Cineastas e imagens do povo – Jean-Claude Bernardet
📗 [1] O Documentário de Eduardo Coutinho: Televisão, Cinema e Vídeo – Consuelo Lins 
📺 A forma do cinema documentário – AvMakers
📺 Nanook: 100 anos do primeiro documentário – AvMakers

13. CINEMA MODERNO

Existem muitas discussões a respeito do que tornaria um filme clássico ou moderno e eu nem quero entrar nesse mérito aqui. A minha denominação de “Cinema Moderno” só pretende expressar um período histórico no qual os filmes se adaptaram às mudanças da sociedade em que surgiram e por isso apresentaram variações estilísticas e de gênero que estabeleceram novos parâmetros para o cinema posterior. Me refiro ao cinema das décadas de 80, 90 e primeiros anos de 2000. Mesmo que a definição de Cinema Moderno, como eu falei, fuja desse período estipulado por mim, me permito apenas utilizar o termo como um generalizador das interferências da modernidade na época, que propiciaram novas vertentes cinematográficas e por isso o uso da expressão. O Cinema Moderno traz tantas micro revoluções que nem caberiam em um tópico. Os clássicos filmes de terror slasher, as comédias românticas, os filmes catástrofe, mundos pós-apocalípticos e a ascensão dos blockbusters no cinema hollywoodiano datam do período de passagem da década de 70 para a década de 80. Esses e vários outros gêneros surgiram e se desenvolveram a partir da década de 80 até os anos 2000. Além de tudo isso, os grandes estúdio de cinema comercial americanos adotavam em 1982 as estratégias de lançamento dos filmes nos cinemas que perduram até hoje.[1]
As fantabulosas obras de ficção científica da década de 80, das quais posso citar “E.T.: O Extraterrestre” (1982), “O Enigma de Outro Mundo” (1982) e “De Volta para o Futuro” (1985); os filmes de terror slasher que popularizaram o gênero –  “Halloween – A Noite do Terror” (1978), “Sexta-Feira 13” (1980) e “A Hora do Pesadelo” (1984) – e foram sucedidos de inúmeras sequências; as distopias futurísticas “Mad Max” (1979) e “Blade Runner: O Caçador de Androides” (1982); e os filmes da linha dos primeiros blockbusters “Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança” (1977) e “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981). Todos esses foram lançados em um curto período de tempo e fazem parte de uma revolução cinematográfica ocorrida nos Estados Unidos, da qual os filmes comerciais jamais saíram de linha e tomaram conta do cinema para sempre.

Uma das cenas mais clássicas do Cinema Moderno, do filme “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981)

Ao passo que novas inovações científicas e tecnológicas iam surgindo, os filmes iam adaptando todo esse contexto histórico para as telas. Prova disso é o lançamento de “Jurassic Park” (1993), a maior bilheteria de todos os tempos até então, que utilizava as novas tecnologias de CGI para criar as feras pré-históricas nas telonas do cinema. Assim o cinema prosseguiu durante toda a década de 80 e 90 e entrou no século XXI da mesma forma. A influência das novas tecnologias do novo milênio constituem uma corrente temática ímpar também nessa temporada e questionamentos e debates filosóficos sobre essas novas revoluções tecnológicas trouxeram ao mundo filmes como “Matrix” (1999) e “eXistenZ” (1999) um ano antes da virada do século.
Matrix e suas revoluções dentro e fora das narrativas fílmicas, que utilizavam da tecnologia como base para o desenvolvimento de sua trama futurística, pode ser comparado ao surrealista filme de David Cronenberg, “eXistenZ”. No filme de Cronenberg temos também a questão da tecnologia como elemento central, mas com uma abordagem que foge da narrativa clássica e se perde para o lado do surrealismo. Nele somos confrontados com a dúvida: o que é a realidade? Tudo isso vem de uma narrativa em abismo que vai se distanciando do convencional e apresentando indagações filosóficas modernas a respeito do limite do corpo humano, da mistura do corpo com a tecnologia e da busca por novas realidades virtuais para se distanciar do mundo real.
O filme é um exemplar não tão conhecido desses filmes que surgiram como reflexo do contexto histórico no Cinema Moderno e seu paradoxo da realidade pode ser encarado como uma das inquietações que o ser humano da época tinha em relação ao futuro. O surrealismo que pode ser encontrado aqui neste exemplar do Cinema Moderno serve como uma forma de agregar à narrativa mais camadas de interpretações e uma estética única. Esse, como tantos outros filmes, apresentavam criatividade de sobra para tentar se destacar na gigantesca indústria comercial americana do período, mas, como muitos outros também, não atingiram o estrelato ao contrário do seu irmão de consideração “Matrix”.

Dúvidas e questionamentos da realidade são os motores da trama de “eXistenZ” (1999)

No Brasil o Cinema Moderno apareceu de diversas maneiras também. Produções como “Central do Brasil” (1998) e “Cidade de Deus” (2002) são dois dos clássicos desse período. Mais um exemplar dessa época é a adaptação para as telas de cinema da minissérie “O Auto da Compadecida” que buscava surfar no grande sucesso da produção de 1999 levando-a ao cinema com sua trama icônica, no ano 2000.
Como eu tentei deixar claro, esse foi um período de grande abundância criativa e contou com tantos sucessos e obras reverenciadas que eu nem tentei me aprofundar nos maiores nomes por trás e nem nos mais icônicos títulos da época. Acredito que talvez esse período mereça um estudo de caso próprio. Quem sabe, não é mesmo?

Filmes referenciados:
🎬 Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977) 
🎬 Halloween – A Noite do Terror (1978)
🎬 Mad Max (1979)
🎬 Sexta-Feira 13 (1980)
🎬 Os Caçadores da Arca Perdida (1981)
🎬 E.T.: O Extraterrestre (1982)
🎬 O Enigma de Outro Mundo (1982) 
🎬 Blade Runner: O Caçador de Androides (1982)
🎬 A Hora do Pesadelo (1984)
🎬 De Volta para o Futuro (1985)
🎬 Jurassic Park (1993)
🎬 Central do Brasil (1998) 
📽️ eXistenZ (1999) (CF)
🎬 Matrix (1999) 
🎬 O Auto da Compadecida (2000)
🎬 Cidade de Deus (2002)
Outras referências:
📗 Ainda estamos no jogo?: Sobre o jet lag e as realidades de eXistenZ – Bruno Souza Leal, Nuno Manna e Felipe Borges
📑 As diferenças entre cinema clássico e moderno – Katia Kreutz
📺 [1] De E.T. a Stranger Things – Como o verão de 1982 transformou a cultura pop – AvMakers
📺 Slasher Movies – Dos Estereótipos a Metalinguagem – AvMakers
📺 A FIGURA DO SERIAL KILLER NO CINEMA – AvMakers
📺 Cinema Pós-Apocalíptico – Distopias Áridas e Zumbis – AvMakers
📺 Ficção Científica e as Redes Sociais – AvMakers
📺 A Era do Vídeo – Bem Vindo aos Anos 80 – AvMakers

14. A ANIMAÇÃO

Irei introduzir aqui um tópico bônus sobre a animação no cinema, que não apresenta nenhum filme da minha matéria de Ciclo de Filmes, mas que eu achei importante ressaltar aqui pela sua importância histórica e artística e também porque é um dos meus gêneros favoritos de todo o cinema. A animação é mais antiga que o próprio cinema, mas só encontrou respaldo décadas depois da ascensão da sétima arte. O mérito pela apresentação do primeiro desenho animado é de Charles-Émile Reynaud em 1892, três anos antes das apresentações dos irmãos Lumière, mas sem muito sucesso, levando-o a abandonar sua criação. Só foi com a ascensão do cinema propriamente dito que as primeiras experimentações com animação começaram a ganhar espaço. A animação é geralmente relacionada aos mais jovens, mas, como vamos ver, não deixa de ser mais um espaço artístico para soltar a criatividade e de onde surgiram as mais diversas histórias ao longo de mais de um século.
Durante os primeiros anos do cinema, nas décadas de 1900 e 1910 as animações eram majoritariamente produzidas em curta-metragem e com caráter experimental e cômico. Muito disso vem dos chargistas de jornais que começaram a se interessar por dar movimentos aos seus personagens mais famosos. Porém, foi apenas na década de 1920 que os produtores descobriram a animação como uma boa forma de alcançar um público muitas vezes negligenciado, o público infantil. Aí houve uma explosão na produção de curtas-metragens animados. Foi aí também que surgiu uma das empresas – para não dizer a – mais importantes do gênero de animações até hoje. Fundada por dois irmãos, Roy e Walt, o estúdio começou a produzir animações para outras distribuidoras e somente depois se estabeleceu como uma produtora independente. A The Walt Disney Company, como é conhecida atualmente, foi responsável por uma verdadeira revolução na arte cinematográfica animada do seu tempo. 
No ano de 1937 era lançado o primeiro longa-metragem animado com som sincrônico, o clássico absoluto “Branca de Neve e os Sete Anões”, produzido pelos estúdios de Walt Disney. O filme foi uma aposta arriscada para um público infantil que não estava acostumado a filmes direcionados a ele. Espantando qualquer tipo de dúvidas, a produção foi um sucesso instantâneo, possibilitando que o estúdio desse origem a uma sequência de produções que também entrariam para a história do cinema como clássicos. Mais tarde a Disney lançaria “Fantasia” (1940), um filme ambicioso de duas horas de duração, mas que também conseguiu ser recebido com louvor pelo público e pela crítica. Num primeiro momento adaptando histórias clássicas dos contos de fadas e depois se aventurando em roteiros originais – como o meu preferido “O Rei Leão” (1994) – a Disney se estabeleceu como a empresa dominante soberana do gênero da animação até meados da década de 90.

“Fantasia” (1940), animação deslumbrante dos estúdios Walt Disney

Durante os anos seguintes aos primeiros clássicos da Disney e com o estabelecimento da TV como meio de comunicação acessível, as animações migraram para lá e deram vida a personagens icônicos e inesquecíveis até hoje. A Pantera Cor de Rosa, o Pica-Pau, Coiote e Papa-Léguas, e tantas outras animações que surgiriam depois utilizaram desse novo meio para fortalecer ainda mais a animação como gênero sólido de contar histórias para toda a família.
De uma ramificação dos estúdios Lucasfilm comprada por Steve Jobs, a Pixar estreou no cinema de animação 3D assim como a Disney estreou com “Branca de Neve” no cinema de seu tempo. “Toy Story” (1995) também foi um sucesso estrondoso e está na memória de tantos como um clássico inquestionável das suas infâncias hoje em dia. Com essa nova tecnologia do Cinema Moderno, um outro estúdio se arriscou no ramo e estreou no Oscar de Melhor Animação de 2002, garantindo o primeiro da história da categoria, com “Shrek” (2001). A DreamWorks, fundada anos antes por Steven Spielberg, Jeffrey Katzenberg e David Geffen, foi responsável por estabelecer logo de cara uma concorrência com a Pixar e mais tarde com a própria Disney, depois dessa última ter adquirido a Pixar em 2006. Nos últimos anos, a DreamWorks ficaria ainda mais conhecida com a franquia Madagascar, o filme “Kung Fu Panda” (2008), – que também daria origem a uma franquia – a trilogia “Como Treinar o Seu Dragão” e as sequências de Shrek, respingando até no recente indicado ao Oscar “Gato de Botas 2: O Último Pedido” (2022), demonstrando que a empresa sempre manteve um alto grau nas suas produções.
“Shrek” é um belíssimo exemplar da utilização da animação com um apelo tanto para as crianças quanto para os adultos. O humor ácido e as sátiras certeiras ao cinema clássico da Disney se mostraram um primoroso exercício de metalinguagem ao mesmo tempo que propiciou a criação de um universo mágico totalmente novo e longe das convenções da empresa do Mickey. A aposta foi alta, pois não era possível prever a recepção de um filme teoricamente infantil com um anti-herói como protagonista, mas, felizmente, tudo correu maravilhosamente bem e “Shrek” virou um clássico.

“Os ogros têm camadas como as cebolas” em “Shrek”, de 2001

O que dizer então da Pixar? É difícil apontar mais de três filmes que não alcançaram o patamar de sucessos estrondosos, ou até mesmo clássicos. A filmografia da Pixar traz, além dos exemplares de “Toy Story”, a franquia “Carros”, “Os Incríveis” e os independentes “Ratatouille” (2007), “Divertida Mente” (2015) e um dos meus preferidos de todos: “WALL·E”, de 2008. Deixando claro que muitas outras obras incríveis que eu amo ficaram de fora dessa curta lista de favoritos. Assim como a DreamWorks se destacou com “Shrek”, a Pixar é reconhecida como uma produtora que consegue primorosamente dialogar com as diferentes faixas etárias nos seus filmes. Mesmo que o enredo pareça bobinho, são muitos os filmes que surpreendem os mais velhos por tocarem em temas que são mais delicados e exigem um discernimento mais maduro da realidade. Essa linguagem excepcional da Pixar, no entanto, mantém o filme como uma diversão efêmera para os mais jovens, que não percebem as mensagens subliminares, e um entretenimento intelectual para os pais, que conseguem compreender melhor o que a obra quer dizer.
O desenvolvimento dessa linguagem cinematográfica tão criativa e deslumbrante foi reconhecida pelos teóricos e críticos e até por isso recebeu seu lugar especial no hall de prestígio de Hollywood desde o início do século. A partir do momento de seu surgimento, a animação nunca perdeu espaço e sempre desenvolveu histórias originais e recriações de clássicos da literatura com uma primazia encantadora em ambos os casos. 

“WALL·E” (2008), um dos filmes mais fofos que eu já vi

Depois dessa contextualização da história do cinema de animação e de seus principais estúdios americanos, aqui estão algumas outras vertentes da animação importantes com alguns filmes que eu inclusive indico muito. Primeiro, eu não poderia deixar de citar o cinema de animação japonês. Os japoneses sempre foram mestres da animação e trouxeram para o cinema muitos filmes que ultrapassam a linha simples do encantamento e entretenimento supérfluo com discussões mais séries e temáticas mais profundas, assim como a Pixar faz a seu estilo no cinema americano. “O Fantasma do Futuro” (1995), por exemplo, traz uma abordagem filosófica incrivelmente interessante sobre as novas tecnologias e sobre a condição humana. E, como eu também não poderia deixar de exaltar, as obras clássicas do Studio Ghibli são tão impressionantes quanto todas as outras já citadas até aqui. Dentre essas posso apontar “Túmulo dos Vagalumes” (1988), um drama visceral sobre os horrores da segunda guerra vividos pelos japoneses, e a “A Viagem de Chihiro” (2001), único vencedor do Oscar de Melhor Animação do estúdio que já traz uma abordagem mais fantástica e temáticas míticas do Japão, com uma construção filosófica e simbolismos narrativos espetaculares. 
A animação também desenvolveu seus movimentos cinematográficos próprios e as mais diferentes técnicas. Uma técnica pouco convencional, mas que carrega grande beleza artística é a rotoscopia, que existe desde os primórdios da animação, mas foi pouco utilizada ao longo dos anos. Um exemplar dessa técnica é o filme “Acordar para a Vida”, de 2001. A abordagem do longa tem ares de surrealismo e discussões profundas a respeito do sentido da vida e da morte.
A animação ainda pode servir de forma documental para representar a história e as memórias de uma pessoa, como podemos ver na autobiografia animada “Persépolis”, de 2007. O filme que conta a vida da diretora Marjane Satrapi quando jovem também contou com a direção de Vincent Paronnaud. Juntos eles contam uma história intimista e cheia de muita profundidade, tanto psicológica, quanto histórica em relação ao mundo em que a jovem Marjane viveu. Outro filme que utilizou da animação de forma documental e se destacou sendo indicado a 3 Oscars foi “Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar” (2021), que curiosamente apresenta uma trama até que bem semelhante a de “Persépolis”.
Outra técnica que se destaca desde o princípio dessa arte é o stop motion. Técnica essa que já rendeu dois Oscars de Melhor Animação na história. O primeiro para a DreamWorks por “Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais” (2005), em 2006 e o segundo este ano – 2023 – para a Netflix pelo recente “Pinóquio por Guillermo del Toro” (2022).

Animação em stop motion de Guillermo del Toro, “Pinóquio por Guillermo del Toro” (2022)

As novas possibilidades que os streamings trouxeram também abriram portas para as mais diversificadas animações surgirem. A capacidade da animação de retratar a sociedade real de uma maneira tão fantástica quanto realística, abordando e transmitindo mensagens e críticas sociais profundas num enredo que aparentemente se comunica apenas com os mais novos, mas que apresenta muito mais conteúdo do que parece para os mais velhos é encontrada no recente “Nimona” (2023), outro lançamento da Netflix. Com esse filme, além de observar tudo isso que eu já mencionei, ainda posso afirmar que as obras animadas têm um poder a mais de me emocionar e me cativar. 
As diferentes técnicas e temáticas que eu citei nesse tópico são apenas alguns singelos exemplos da quantidade de obras animadas que mexem comigo. A animação, pra mim, sempre foi e sempre será muito importante para minha conexão com a sétima arte.
Por último, mas não menos importante, é necessário também olhar para o cinema nacional quando falamos de animação. Para não me alongar ainda mais, aqui eu vou deixar apenas uma indicação: “O Menino e o Mundo” (2013), um filme animado brasileiro com uma estética linda e história extremamente cativante.

Filmes referenciados:
🎬 Branca de Neve e os Sete Anões (1937)
🎬 Fantasia (1940)
🎬 Túmulo dos Vagalumes (1988)
🎬 O Rei Leão (1994)
🎬 Toy Story (1995)
🎬 O Fantasma do Futuro (1995)
🎬 A Viagem de Chihiro (2001)
🎬 Shrek (2001)
🎬 Waking Life (2001)
🎬 Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais (2005) 
🎬 Ratatouille (2007)
🎬 Persépolis (2007)
🎬 WALL·E (2008)
🎬 Kung Fu Panda (2008)
🎬 O Menino e o Mundo (2013) 
🎬 Divertida Mente (2015) 
🎬 Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar (2021)
🎬 Pinóquio por Guillermo del Toro (2022)
🎬 Gato de Botas 2 (2022)
🎬 Nimona (2023)
Outras referências:
📗 O Cinema de Animação, A história do cinema para quem tem pressa – Celso Fábio Sabadin
📺 A Renascença Disney e Além: Um Panorama da Animação nos EUA dos anos 80 e 90 – AvMakers
📺 O Studio Ghibli e Além: Um Panorama dos Animes dos Anos 80 e 90 – AvMakers
📺 RELEMBRE TODOS OS FILMES DA PIXAR – Diário dos Filmes
📺 RELEMBRE SHREK – Diário dos Filmes
📺 RELEMBRE A FRANQUIA KUNG FU PANDA – Diário dos Filmes
📺 RELEMBRE A TRILOGIA COMO TREINAR O SEU DRAGÃO – Diário dos Filmes

15. O CINEMA PARA ALÉM DO OCIDENTE

Se nesse artigo a maior parte da história do cinema foi recontada com foco nos Estados Unidos e na Europa, – com a introdução do cinema brasileiro por questões óbvias – isso não quer dizer que essa arte não esteja presente e dando belos frutos também para além do mundo ocidental. Ao longo da história dessa arte vários outros países desenvolveram movimentos, técnicas e gêneros próprios e conseguiram criar indústrias cinematográficas tão relevantes em seus territórios quanto as do Ocidente. Aqui eu gostaria de destacar apenas algumas delas e recomendar uma abertura maior para esses outros cinemas mundiais. Mesmo que alguns elementos sejam estranhos à primeira vista, também há muita beleza na arte e na cultura de todos os outros países.
Para começar, talvez dois dos cinemas que mais venham ganhando espaço e fãs desse lado do mundo, os cinemas do Japão e da Coreia do Sul. As causas podem ser diferentes nos dois territórios, mas ambos são histórias interessantes para se analisar. 
No caso da Coreia do Sul, o cinema sofreu com a forte censura do período de ditadura militar que durou 26 anos, de 1961 até 1987. Porém o período também marcaria a criação de uma política de valorização do cinema nacional que possibilitaria futuramente o aumento da visibilidade do país no mundo. As políticas de controle estatal começaram no período de governo militar e estipulavam um determinado número de dias que as produções nacionais precisavam ficar em cartaz nas salas de cinema da Coreia, como o artigo de Rafael Barifouse explica: “Criado em 1966, ainda durante o regime militar, o programa previa um mínimo de dias de exibição para produções nacionais — a exigência foi progressivamente ampliada até atingir seu pico, de 146 dias, em 1985, dois anos antes do fim da ditadura e mantida neste patamar pelo regime democrático até 2006”.[1] Mesmo com a abertura democrática, a medida foi mantida e isso, aliado ao novo ambiente com mais liberdade de expressão, propiciou o surgimento de uma sequência de filmes realmente notáveis, a exemplo de “Oldboy” (2003), de Park Chan-wook.
A repercussão do cinema sul-coreano também é reflexo de uma política de exportação cultural do país, incentivada pelos governos recentes e que proporcionou a ascensão de diversos campos artísticos da Coreia ao redor do mundo, como a música, novelas, séries, jogos e, claro, o cinema. Assim, o cinema sul-coreano conseguiu o mérito de ter o primeiro filme em idioma não-inglês vencedor da categoria principal do Oscar, em 2020, com “Parasita” (2019), de Bong Joon-ho. O filme ainda receberia outros 3 Oscars, algo inédito para o cinema do país que jamais havia recebido uma indicação ao Oscar sequer.
Já o Japão apresenta um universo próprio de gêneros cinematográficos. A título de exemplo posso citar os filmes de terror japonês, conhecidos como J-Horror, que surgiram, principalmente, nas décadas de 80 e 90 quando o surgimento das novas tecnologias em contraponto a tradição milenar japonesa despertaram muitos medos na sociedade da época, criando assim filmes cujos monstros geralmente tinham relação com objetos e conceitos da modernidade. Filmes do gênero, mais tarde, foram adaptados – para não dizer copiados – pelo cinema de Hollywood no início dos anos 2000, demonstrando a capacidade que esses filmes tiveram de furar a bolha.
Mas, além de filmes de gênero, o cinema japonês também trouxe à tona produções com apelo dramático muito presente, refletindo a história recente da Segunda Guerra e outras questões da milenar filosofia do país. Isso se apresenta na forma de animações, como já citei no tópico anterior, e filmes mais recentes e premiados como “Drive My Car”, de 2021. Filme esse que merece uma olhada descompromissada do espectador que não deve se importar com o desenrolar lento de quase três horas de duração. A beleza do filme está nos diálogos e nos longos períodos de contemplação das paisagens que são apresentadas seguindo o carro do protagonista pelas estradas do país do sol nascente.
A China também é um mercado altamente cobiçado e que apresenta produções próprias com muito sucesso interno, mas sem muita repercussão internacional. O contexto político do país impedia por décadas o desenvolvimento do cinema por lá, que só conseguiu se desenvolver melhor nos últimos anos com uma certa abertura política para o Ocidente. 

Drive My Car” (2021) se destacou internacionalmente com vitórias em Cannes e no Oscar

A segunda região que eu quero destacar o desenvolvimento do cinema é o Oriente Médio, principalmente com as produções do Irã. De um ambiente muito conservador, com tradições e costumes religiosos severos e um contexto de desigualdade muito grande, principalmente para as mulheres, conseguiu emergir um cinema tocante e que carrega, através de metáforas principalmente, as angústias e alegrias dos seus indivíduos.
Para observar essas características, temos como exemplo o filme “Dez” (2002), do proeminente diretor iraniano Abbas Kiarostami. Nas suas obras ele frequentemente mistura o documental com a ficção e em “Dez” ele traz uma abordagem cotidiana para expor as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seu país natal. Com uma trama e um contexto histórico e social interessantíssimos, a experiência com o filme não é exatamente boa, mas serve como um convite a sentir a árdua vida de sua protagonista naquela situação em que nem mesmo seu filho a respeita e onde o ser mulher é menosprezado e submisso pela sociedade machista patriarcal. Em seu texto sobre o filme “Dez”, Roger Ebert, importante crítico norte-americano, expõe sua visão sobre o cinema do cineasta iraniano com a passagem – com tradução minha – “Ainda que seus filmes—a exemplo de seu último trabalho, “Dez”—não parecem ter sido feitos para serem assistidos, mas para serem escritos sobre eles […]”.[2] Eu concordo plenamente com a afirmação de Ebert, pois foi exatamente isso que eu senti no final da minha experiência: seus filmes foram feitos para serem escritos textos sobre eles e analisados em busca da minuciosas mensagens deixadas nas entrelinhas.
Ainda do Oriente Médio, Marjane Satrapi e “Persépolis” (2007) servem de retrato histórico das condições desgastantes do Irã em que a diretora viveu e a animação serve como documentário poético profundo das memórias da autora, como já mencionado anteriormente nesse mesmo texto.
Assim, o cinema se mostra como alternativa para a expressão das pessoas num contexto complexo de censura religiosa e moral e abre portas para a criatividade de contar uma história e expor um problema de uma maneira mais profunda do que explícita.

“Gosto de Cereja” (1997), de Abbas Kiarostami, expressa sua temática nos pequenos detalhes dos diálogos entre seus personagens

E por último falarei rapidamente sobre o gigantesco cinema da Índia com seu grande polo cinematográfico batizado de “Bollywood” que não tem grande taxa de exportação e é majoritariamente consumido pelo sua imensa população. Isso ocorre principalmente porque as produção são feitas nos diversos dialetos locais, o que atrapalha ainda mais o intercâmbio cultural com outras regiões, inclusive do próprio território indiano. Certos filmes são exibidos somente nas províncias em que foram produzidos. Mesmo assim, o cinema de lá apresenta um estilo e linguagem próprios, com um apego muito grande à cultura do país, utilizando cores vibrantes na fotografia e enredos que geralmente são contados com o auxílio da música.
Um filme recente que conseguiu furar um pouco a bolha de Bollywood foi o grande “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução” (2022), vencedor de Melhor Canção Original no Oscar desse ano (2023). Sua ação frenética e narrativa não convencional encantaram o mundo e extrapolaram as barreiras culturais. Isso tudo contou com o auxílio da distribuição internacional da gigante dos streamings Netflix.

RRR: Revolta, Rebelião, Revolução” (2022) e sua fotografia e figurino característicos do cinema indiano

Filmes referenciados:
🎬 Gosto de Cereja (1997)
📽️ Dez (2002) (CF)
🎬 Persépolis (2007)
🎬 Parasita (2019)
🎬 Drive My Car (2021)
🎬 RRR: Revolta, Rebelião, Revolução (2022)
Outras referências:
📗 Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami – Fábio Savino e Maria Chiaretti
📗 Cinema de Terras e Fronteiras, Andréa França, História do Cinema Mundial – Fernando Mascarello 
📑 [1] Apoio do governo, cotas e festivais: como a Coreia do Sul reinventou seu cinema e fez história no Oscar com ‘Parasita’ – Rafael Barifouse
📑 O cinema do oriente médio e a revolução silenciosa das mulheres – Gabriela Holanda
📑 [2] Ten, Review – Roger Ebert 
📺 O estilo dos modernos filmes indianos – AvMakers 
📺 J-Horror: Assombrações do Passado e Tecnofobia – AvMakers 
📺 Breve história do cinema de terror no Japão 🇯🇵 – AvMakers

16. CINEMA CONTEMPORÂNEO

O cinema contemporâneo agrega as diversas influências dos movimentos passados dessa arte e hoje podemos observar um panorama que divide o cinema entre arte e produto comercial. De um lado temos Hollywood, mais forte do que nunca, e de outro os filmes mais independentes, que buscam a popularidade com a aclamação dos críticos em festivais de cinema. Além dessas duas vertentes principais, obviamente existem outros movimentos menores que com a mesma frequência surgem e desaparecem o tempo todo.
Os grandes estúdios assimilaram a vertente do Cinema de Autor, já abordado nesse texto, numa dinâmica que faz essas empresas apostarem em diretores consagrados para surfar na onda da arte e faturar mais ainda com as possíveis premiações que o filme receber. Enquanto outros filmes são produzidos com baixo orçamento e de maneira independente por diretores tão reverenciados quanto os apadrinhados pelas gigantescas do entretenimento. Tudo isso subsiste no universo da sétima arte.
Porém, além dos aclamados diretores veteranos, nos últimos anos houve o surgimento de diretores tão aclamados quanto os mais velhos, como foi o caso do nova-iorquino Jordan Peele. Sua tríade de filmes, “Corra!” (2017), “Nós” (2019) e “Não, Não Olhe” (2022), é marcante na história recente do cinema. O seu filme de estreia e que ganhou mais destaque foi “Corra!” cuja trama e a abordagem de um dos problemas sociais mais persistentes da história americana foi magnífica. O terror social de “Corra!” habita desde os pequenos detalhes até as grandes problemáticas e a catártica conclusão marcante. O filme apresenta tudo o que melhor pode ter numa linguagem cinematográfica detalhista, muito atenta aos diálogos e simbolismos que um filme pode apresentar para agregar na trama principal. Cineastas como Peele são tudo o que os estúdios querem para utilizar da arte cinematográfica para atingir novas culturas e novos públicos e assim salvaguardar mais espaço nas bilheterias mundiais. 

Lakeith Stanfield (esquerda) e Daniel Kaluuya (direita) nos seus papéis em “Corra!” (2017)

Inovações narrativas estão começando a ser notadas e premiadas, demonstrando que a criatividade é o caminho a ser seguido pela arte contemporânea, fugindo, muitas vezes, das convenções clássicas do cinema e não se prendendo em aspectos sem importância para dar mais valor à criativas maneiras novas de contar uma história e expor uma mensagem profunda através da arte do cinema, como é o caso recente de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” (2022) que acabou sendo devidamente premiado pela sua grande realização artística e criativa.
O cinema não deixou, como em seus primórdios, de ser uma arte tão comercial quanto qualquer outra coisa. Exemplo disso são as produções milionárias dos blockbusters e um dos recentes filmes que se encaixam nesse aspecto é a excelente obra grandiosa tecnicamente “Top Gun: Maverick” (2022), que dando sequência a uma obra original de mais de 30 anos atrás trouxe para as telas uma experiência cinematográfica incrível do ponto de vista técnico quebrando todas as bilheterias do ano de 2022 e passando da casa do bilhão na arrecadação. Isso expõe como o cinema é comercial e muitas empresas vivem disso.
Barbie” (2023) é o exemplo mais recente. Porém, a meu ver, “Barbie” vai além. O filme é capaz de capturar o grande público, mas não para por aí, pois, devido a perspicácia de sua realizadora, consegue transmitir mensagens marcantes com uma comédia divertida e leve, mas que fez por merecer ser o grande evento do ano pois provou que até mesmo as obras mais mercadológicas podem apresentar elementos artísticos interessantes que transformam o filme em uma produção ainda mais proveitosa para a sétima arte. De uma outra perspectiva, o “efeito Barbie” também é um puro suco do capitalismo que mexeu com todas as áreas do mercado e proporcionou um movimento marcante nas redes sociais e em toda a internet expondo uma problemática presente aqui no Brasil: a falta de espaço do cinema nacional frente às produções estrangeiras, como expõe Claudio Leal no seu artigo intitulado: “O pior de ‘Barbie’ é que ninguém se espanta mais com o domínio cultural”.[1]
Inovações e inovações, diferentes formas de usar a linguagem do cinema e diferentes gêneros que são capazes de fazer isso. “Ninguém vai te Salvar” (2023) é um exemplar que eu até já citei quando falei na linguagem cinematográfica como um fator totalmente inclusivo e que não necessita de muito para se conectar com o espectador e transmitir tudo o que as mentes por trás da obra idealizaram. Mesmo não sendo um grande sucesso de crítica, esse foi pra mim um belo exemplar da utilização da linguagem do cinema de maneira muito criativa e bem vinda. Só fiquei me perguntando uma coisa: será que os produtores propuseram um filme assim para alcançar maior público, já que não teriam nenhuma barreira linguística, ou foi só uma perspicaz realização de seu diretor e roteirista que propôs uma inovação interessante no gênero? Espero que a segunda opção prevaleça, afinal.

É… Eu realmente gostei de “Ninguém vai te Salvar” (2023) e consegui encaixar ele duas vezes nesse artigo 😅

Enfim, não há muito como datar ou estruturar uma linha teórica completa e coesa sobre o Cinema Contemporâneo, pois suas pequenas revoluções e novos movimentos coexistem com as mais clássicas linguagens do cinema. Só é possível observar com alegria a utilização cada vez mais diversa e inclusiva da sétima arte ao redor do mundo e esperar que o futuro seja ainda mais abrangente para quem gosta e quem produz arte.

Filmes referenciados:
📽️ Corra! (2017) (CF)
🎬 Nós (2019)
🎬 Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (2022)
🎬 Não, Não Olhe (2022)
🎬 Top Gun – Maverick (2022)
🎬 Barbie (2023)
🎬 Ninguém Vai te Salvar (2023)
Outras referências:
📗 Etnografia Do Filme Corra! (2017): Um Debate Sobre Negrofilia E Relações Raciais Nos Estados Unidos – Taís de Sant’Anna Machado
📑 [1] O pior de ‘Barbie’ é que ninguém se espanta mais com o domínio cultural – Claudio Leal
📺 Um pouco sobre a história do cinema – AvMakers

17. CONCLUSÃO

É interessante perceber que a linguagem cinematográfica atualmente já pode ser entendida intuitivamente até mesmo por uma criança, pois já estamos tão acostumados com obras do gênero que essa pode ser considerada até mesmo uma linguagem mundial na qual todos nós somos fluentes. Para além do idioma falado pelos personagens do filme, as convenções narrativas e de montagem são capazes de transmitir seus simbolismos e significados para alguém que nem sequer está entendendo o que está sendo dito em cena.
Nessa pequena obra, que tenta resumir a história do cinema em algumas poucas páginas, obviamente que ficaram de fora movimentos, filmes e cineastas tão importantes quanto os citados aqui, mas que eu não mencionei para que o texto se mantivesse simples e direto numa linha narrativa onde escolhi prezar pela síntese e mesmo assim ainda ficou extensa. Mas não havia como não ser assim. Quando me propus a escrever esse texto eu não imaginei que ia demorar tanto e me perder nas pesquisas sobre cada um dos tópicos que eu organizei. Foram tantos temas que me encantaram e me deixaram tão curioso que eu acabei passando horas em pesquisas e leituras das mais diversas sobre o cinema. Foi uma experiência realmente construtiva. E se você chegou até aqui, obrigado!
De novo, gostaria de ressaltar que inúmeros filmes clássicos e importantíssimos para o cinema não foram citados aqui porque o intuito era fazer apenas um pequeno retrato resumido de cada movimento seguindo os filmes da minha matéria de Ciclo de Filmes como norte. E os demais que eu escolhi citar foram somente porque realmente achei que cabiam no contexto. Para uma visão mais aprofundada, acredito que as referências que eu deixei são um bom ponto de partida. 
Reiterando aqui, como eu já expressei no tópico sobre o Cinema Novo Brasileiro, que posteriormente eu irei escrever um artigo unicamente focado no Cinema Brasileiro ao longo de toda a história de sua existência, abordando a importância do Brasil na sétima arte de uma perspectiva mundial e a influência do cinema na sociedade brasileira, explorando o seu fator de transformação social e a relação do público do país com suas próprias obras em contraponto às desmedidas influências externas.
Ficarei muito feliz se de algum modo meu texto abriu uma porta para uma nova visão a respeito do cinema na sua mente e espero que sua curiosidade faça o restante. Incentivo, aqui no final, assim como o ET Bilu, a busca pelo conhecimento…😂 A respeito de tudo que interessar na arte. Nunca se prenda no que você já sabe sobre um determinado assunto, pois há sempre novas perspectivas que podem agregar muito conteúdo às suas interpretações. E sempre esteja aberto a experienciar as novidades que a sétima arte lhe pode proporcionar.

Gabriel Santana
Revisão: Júlia Monteiro

Referências gerais:
📗 A história do cinema para quem tem pressa – Celso Fábio Sabadin
📗 A Forma do Filme – Serguei Eisenstein
📗 História do Cinema Mundial – Fernando Mascarello
📗 O Cinema: Ensaios – André Bazin
📗 A Experiência do Cinema – Ismail Xavier
📗 O Olhar e a Cena – Ismail Xavier

Icônica cena do filme “E.T. O Extraterrestre” (1982) de Steven Spielberg, um dos meus diretores favoritos

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