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Antonio das Mortes [Crítica]

Filme de 1969 um tanto quanto desconhecido – pelo menos pra mim – do grande diretor Glauber Rocha, Antonio das Mortes – também intitulado “Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” – é uma continuação espiritual do clássico “Deus e o Diabo na Terra do Sol” de 1964, dessa vez seguindo o personagem que dá nome ao longa. Agora, já colorido e com uma trama não tão lenta quando o primeiro longa, esse filme conseguiu me conquistar ainda mais e ganhou o posto de prestígio ao lado de seu irmão antecessor.
Desde o filme anterior eu já tinha simpatizado com o personagem de Antônio das Mortes. Não por achá-lo correto nem concordar com seus atos, mas pela sua sensatez em analisar a situação terrível que todos se encontravam num contexto de seca, fome e miséria do sertão nordestino onde todos, mesmo que em lados opostos, estavam condenados ao mesmo mal. Assim, sua música tema ficou marcada na minha lembrança e sua imponência e habilidade no gatilho foram marcantes na sua primeira aparição. Aqui ele aparece meio que aposentado de suas atribuições como jagunço, mas quando descobre a existência de um novo cangaceiro, aceita o chamado de um poderoso local para cumprir o seu destino e honrar sua alcunha de “matador de cangaceiros”. Porém o que podemos acompanhar aqui foi uma incrível surpresa para mim. Me baseando no único filme que já tinha assistido de Glauber Rocha – o filme anterior a esse, no mesmo universo – fiquei impressionado com certas mudanças que apareceram por aqui. Primeiramente o que salta aos olhos é ser um filme colorido, mas com uma fotografia muito crua da realidade de uma cidadezinha do interior, algo que não foi perdido na atualização técnica. Agregado a isso temos uma direção que acabou abraçando de uma vez a teatralidade, algo que até aparece no filme anterior, mas aqui acho que foi levada ao seu ápice incluindo até plateia e tudo. No fundo tudo isso faz sentido e concerne para o tom e ambiência da obra. Outra coisa que também me chamou bastante atenção aqui foi a trilha sonora que acrescenta mais músicas populares do Brasil da época e combina diferentes gêneros numa mistura poética interessante. Na trama presenciamos a surpreendente jornada de redenção de Antônio das Mortes que depois de ficar perturbado com a reflexão sobre seus atos decide ficar do lado do povo, mas esbarra no que antes o fazia existir, o coronelismo. Aqui a violência do coronelismo é deixada ainda mais evidente e com uma ampliação dos horizontes históricos, sendo citados governos de Getúlio Vargas, guerra mundial, influência estrangeira e até reforma agrária nos subtextos. Isso tudo me impressionou e me fez gostar ainda mais do personagem e da obra idealizada e produzida por Glauber Rocha, que demonstrou finalmente pra mim, com uma linguagem mais clara sem perder seu estilo ou marca, que foi um diretor grandioso sabendo aliar a realidade a uma ficção tão crível e cruel que é possível sentir na pele. Com um estilo mais familiar, Glauber nos presenteia aqui com um faroeste diferente e bem relacionado com suas ideias e conceitos apresentados anteriormente, mas dessa vez sem uma lentidão tão profunda que havia me incomodado antes. Finalizo com uma frase do próprio Antônio, para resumir um pouco do que é a filosofia do longa: “deus fez o mundo e o diabo o arame farpado”. Assim, Antônio das Mortes, que já me arrancava uma simpatia antes, teve sua história de protagonista, com a mesma energia do filme original, mas com um tom e uma pegada menos monótona que foi o que me afastou um pouco da obra anterior.
Considero esse aqui um filme melhor, mas mantenho os dois na mesma prateleira pela força histórica de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e sendo criações de uma mesma mente brilhante do cinema brasileiro fico feliz de ter me deparado de surpresa com essa obra que me fez olhar com outros olhos o estilo e as ideias que deram ao Cinema Novo a sua grandeza histórica para a arte brasileira.

Nota do autor:

Avaliação: 3.5 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalO Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro
Lançamento1969
País de OrigemBrasil, França, Alemanha
DistribuidoraGloboPlay
Duração1h40m
DireçãoGlauber Rocha

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