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Boca de Lixo [Crítica]

Esse é um dos mais famosos documentários de Eduardo Coutinho e conta com uma trama única que teve uma abordagem ainda mais original. Boca de Lixo expõe uma realidade triste que perdurou por anos no país e ainda deixa sequelas nos dias atuais.
Expondo o grande perigo e desprezo público com o lixo urbano num atentado ao meio ambiente com o despejo do lixo em uma grande área a céu aberto somos mais impactados ainda com o desprezo e o perigo que pessoas passam para sobreviver desse lixo. Como um dos moradores da região cita no filme: o lixo é o fim, mas dali ainda tem um outro começo. As pessoas que precisam viver do lixo ocupam um luar tão insalubre que é invisibilizado na sociedade, como se aquilo nem fosse possível de existir.
O assustador é que existiu e talvez ainda exista de outras formas nas ruas das grandes cidades atualmente. No contexto explorado por Coutinho, acompanhamos moradores da cidade de São Gonçalo que vivem do lixão que ali existe. Em meio a animais e muito lixo encontramos pessoas que, num primeiro momento, se opõem aquelas filmagens, mas que, aos poucos, são “conquistadas” por Coutinho por seu interesse genuíno em retratar cada uma daquelas pessoas, até literalmente. A permanência ao lado do povo do lixo e as visitas que ele fez ao longo dos meses da filmagem ajudaram a expor camadas que estavam escondidas no primeiro contato.
Com sua direção consciente, Coutinho nos permite enxergar além do que apenas pessoas que vivem do lixo, mas conhecemos e somos apresentados a pessoas que tem nomes e personalidades independentes daquela situação e que tem vidas e relações que surgiram a partir do contexto que elas estão inseridas. Cada personagem é capaz de expor marcantes ensinamentos e histórias de vida que se confundem com outras milhares de pessoas do Brasil, mas que, por vários fatores, colocaram-nas naquelas condições terríveis condições de vida.
A aproximação que temos com as pessoas no documentário não torna seus problemas menos impactantes, mas nos deixo perceber que ali não são animais revirando o lixo, são seres humanos. Pessoas que foram condenadas a viver do resto porque não há espaços de acolhimento dentro da sociedade. Reflexões como essas alicerçam toda a narrativa sem que nada precise ser narrado ou exposto de maneira sensacionalista. Tudo é mostrado com uma direção sóbria e humana, entendendo as motivações e os anseios de cada um ali.
Mais uma decisão certeira da produção foi mostrar os materiais gravados para os moradores, dando a possibilidade de identificação dos próprios personagens e deixar claro a intenção da obra de contar a história real de cada um, sem nenhuma maquiagem ou tentativa de culpar ninguém. As características, sonhos e histórias de vida são apresentadas, deixando ainda mais claro a humanidade das pessoas mesmo que a situação delas seja desumana.
Esse é um filme chocante, marcante e que nos faz pensar. Uma obra muito bem-feita, não só pela sua audácia de ir até o local, mas, principalmente, pela maneira como expõe aquela realidade sem qualquer distorção. Uma prova da grande capacidade e inteligência de Eduardo Coutinho em explorar a realidade que pode ser mais chocante do que qualquer distopia da ficção.

Nota do autor:

Avaliação: 3.5 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalBoca de Lixo
Lançamento1993
País de OrigemBrasil
DistribuidoraYoutube (não oficial)
Duração50m
DireçãoEduardo Coutinho

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