Essa é uma das maiores obras de arte já produzidas pela cultura brasileira e com toda certeza um dos meus filmes preferidos de toda a vida. Na verdade, se trata primordialmente de uma minissérie produzida pela Globo com 4 capítulos que mais tarde viria a se tornar um longa metragem excepcional. Mesmo assim, acredito que a melhor experiência seja mesmo a versão mais longa pois cada segundo dessa obra é perfeitamente calculado para abrilhantar ainda mais a trama idealizada por Ariano Suassuna.
Seguindo dois pobres sujeitos de Taperoá, cidadezinha pobre do interior da paraíba, a trama nos apresenta as tramoias de João Grilo e seu companheiro Chicó. Juntos eles sempre estão se metendo em enrascadas e sempre dando um jeito de sair delas, mesmo que para isso tenham que se meter em uma ainda maior. A grande cabeça pensante por trás dessas artimanhas é João Grilo que tem um raciocínio impressionante quando o assunto é enganar as pessoas. Chicó por outro lado fica por conta de inventar histórias “fantabulosas” e terminar com sua clássica frase: “Não sei, só sei que foi assim”. O filme/minissérie se destaca em tudo, aos meus olhos. Começando pela direção com uma excelência em nos mostrar tudo o que precisamos saber, mas sem se alongar em nada e sem deixar faltar um detalhe sequer. Passando para a excelência teatral dos diálogos e da atuação, principalmente dos protagonistas Matheus Nachtergaele e Selton Mello, que nunca estão calados, mas nunca soltam uma palavra em vão. Tudo é concatenado para me fazer dar gargalhadas, mesmo pela milésima vez que eu assisto. Os demais personagens acrescentam bastante a história, sempre com um humor marcante e facetas características da cultura do interior nordestino. Cada um tem seu espaço e seu desenvolvimento, por menor que sejam, e cumprem muito bem seu papel sem inflar a história e sem deixar pontas soltas. A direção de arte conseguiu criar cenários autênticos e se utilizou da paisagem do sertão para tornar a história uma fábula ainda mais crível. O que falar da trilha sonora? Com uma melodia característica capaz de levantar até morto da cova. Impressionante como tudo remete a nossa cultura, seja de maneira superficial, seja em questões mais profundas. A música dessa série é marcante o suficiente para nunca sair da minha cabeça e é uma das primeiras coisas que eu me lembro quando penso no filme. O roteiro traz uma trama com 4 postos-chave, que dão nome aos episódios da minissérie e que se conectam perfeitamente passando sempre pela mente de João Grilo. Para mim, cada segundo dessa obra foi milimetricamente pensado para criar uma série/filme excelente. São abordados temas bastante presentes na realidade da época representada com críticas a igreja, ao estado, aos poderosos e até mesmo a população. Nunca perdendo a graça, o filme consegue expor uma filosofia que vai nos cativando e tem em seu clímax uma das sequências mais marcantes da história da arte brasileira, pra mim. O tema da morte está sempre sendo lembrado por Chicó e sua filosofia que é muitas vezes repetida. Os desdobramentos das mentiras de João Grilo vão escalonando para um desenrolar surpreendente e inevitável. A representação e os simbolismos da conclusão do filme são emocionantes para mim. Incrível como o filme tem tamanha facilidade para me fazer rir e chorar ao mesmo tempo. Sem nunca perder o tom humorístico e descontraído, o filme/série traz reflexões profundas acerca da religião, da fé, da cultura e principalmente do ser humano, com uma sequência de fotos reais que me fazem repensar todas as minhas dificuldades na vida e relembrar como a felicidade pode estar em coisas tão mais simples do que pensamos. Por mais que essa seja uma interpretação particular, acredito que essa obra seja capaz de tocar cada um que a experiencia de maneira singular e trazer boas reflexões sobre a vida e ainda por cima de maneira leve e perspicaz. Acredito que a trama seja perfeita em todos os temas que aborda e principalmente da forma com que trata tudo e finaliza com uma sensação de satisfação difícil de encontrar em outra obra, não falta nada e não sobra nada. Tudo se conclui e se fecha com o tom perfeito.
Acredito que eu nem esteja preparado para fazer uma análise de uma obra tão incrível como essa, ainda mais na emoção do momento de ter acabado de revê-la pela milésima vez ou sei lá mais qual. Pra mim, ela é simplesmente fantástica e eu sou completamente incapaz de enxergar defeitos. Uma obra cinematográfica obrigatória pra quem gosta dessa arte e principalmente se você é brasileiro e nordestino. É uma demonstração excepcional de como nossa cultura consegue nos presentear com histórias e produções tão boas que me fazem agradecer por estar vivo e poder presenciá-las.
Nota do autor:
Gabriel Santana
Título Original | O Auto da Compadecida |
Lançamento | 1999 |
País de Origem | Brasil |
Distribuidora | GloboPlay |
Duração | 2h54m |
Direção | Guel Arraes |
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