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Dez [Crítica]

Filme iraniano com uma estrutura peculiar, mas com uma abordagem social profunda e bastante certeira. Achei “Dez” uma experiência intrigante e, por mais que me tenha sido cansativa em algumas partes, posso afirmar que essa escolha narrativa ainda assim foi eficaz para se adequar ao seu propósito principal.
A trama tem uma estrutura bem inusitada, se apresentando com um aspecto de falso documentário, mas em suma se trata de uma história que se baseia numa perspectiva de observador involuntário das poucas perspectivas que a câmera que somos apresentados toma durante toda a duração. No longa, acompanhamos uma mulher iraniana que dirige seu carro pelas ruas de Teerã enquanto conversa com alguns passageiros do seu veículo. A narrativa é dividida em 10 partes que vão se sucedendo com personagens novos e outros que se repetem no banco do carona do carro.
Por mais que apresente alguns personagens interessantes por várias razões, acredito que o que mais chama a atenção e o que mais tem tempo de tela juntamente com a sua mãe é Amin, o filho da motorista. A relação entre os dois é uma das partes centrais da história e revela muito a respeito da sociedade em que vivem. Além de ser uma das partes centrais da trama, foi também, pra mim, a parte mais insuportável pela maneira que o menino age e se comunica com a mãe. No entanto, acredito que isso seja bastante proposital para nos expor a tamanha opressão que as mulheres sofrem numa vida em que nem seus próprios filhos as respeitam.
Os diálogos com diferentes pessoas expõem as diversas visões de mundo que elas têm e com isso é possível fazer um raio X social utilizando os pontos de vista e a mentalidade de cada um que passa pelo carro. Existe quem defenda a tradição, quem renegue totalmente, quem conseguiu se distanciar de certos preceitos dominantes e quem vive preso a essas amarras sociais por mais que sofra todos os dias as consequências disso. Todas essas perspectivas ainda são amarradas com boas metáforas do filme com a realidade.
É interessante a escolha de não apresentar nenhum personagem homem, a não ser Amin que falarei mais afrente, para abordar questionamentos a respeito da sociedade fundamentalista, patriarcal e machista em que as mulheres vivem naquele lugar. Chega até a ser corajoso apontar como protagonista do filme uma mulher independente e ciente dos problemas que elas enfrentam, que a todo tempo precisa reafirmar suas morais. Até por isso o filme foi bastante atacado no país, ainda por cima mais recentemente com a chegada de religiosos ao poder, que demonstram que muitas vezes nós retrocedemos no tempo já que esse filme é de 2002 e mais de 20 anos depois a situação parece ter apenas piorado.
Voltando ao personagem filho da protagonista podemos enxergar claramente nele a representação da mentalidade assustadora que permeia a população retratada. No relacionamento com sua mãe podemos encontrar mais metáforas oportunas para conectar com os elementos sutis que o filme expõe. Em uma certa passagem, quando o garota indaga sobre a passagem de marchas do carro, isso pode ser identificado claramente como uma referência a relação que ele tem com sua progenitora se encerrando com a conclusão de que o “carro” está em ponto morto. Mesmo sendo ainda uma criança, Amin carrega todos os preconceitos e a misoginia que subjuga as mulheres a meras parceiras submissas e por isso é tão difícil para ele, assim como é para aquela sociedade, ver uma mulher independente e corajosa contrariando o padrão.
Acho que eu posso categorizar esse filme como um bom exercício de paciência que tem muito o que dizer, por mais que a forma incomode de uma forma positiva e negativa quem o assiste. Pelo menos, esse foi o meu caso. De qualquer forma, consigo ver bastante beleza e coragem na maneira como o filme é conduzido e pode ser uma experiência infelizmente bastante atual até hoje.

Nota do autor:

Avaliação: 2.5 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalDah
Lançamento2002
País de OrigemIrã/França/EUA
DistribuidoraMUBI
Duração1h29m
DireçãoAbbas Kiarostami

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