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(500) Dias com Ela [Crítica]

Esse foi um filme que definitivamente me surpreendeu. Eu nunca tinha ouvido falar dele antes de me indicarem para assistir. A indicação veio da minha prima que falou que esse era seu filme preferido. Mesmo assim, eu tentei não criar expectativas e assim o fiz. Inclusive demorei bastante tempo para vê-lo até que eu resolvi dar uma chance para ele por ser curtinho e não ter nada a perder agora durante as minhas férias da faculdade. Agora posso dizer com firmeza que essa é uma obra que apresenta muito mais conteúdo do que podemos imaginar à primeira vista.
Na trama, uma clássica comédia romântica. Um rapaz conhece uma moça que acabou de ser contratada no seu trabalho e logo é amor à primeira vista. O relacionamento, que começa como uma simples e cordial amizade, logo se transforma em amor e os dois desenvolvem uma linda relação de parceria e romance. O que poderia ser mais clássico e clichê do que isso? Nada, não é mesmo? Exatamente. Esse filme se utiliza de uma fórmula clássica para brincar com seus conceitos e reescrever por si próprio algumas regras básicas dessas tramas. Mas se você se enganar com a obra, a culpa será sua porque o filme já adianta de início: “essa não é uma história de amor”.
Não sei se ficou realmente claro com o meu resumo, mas esse é um filme que brinca com o clássico. O clássico no caso é o modelo dos filmes de comédia romântica tradicionais. Ao mesmo tempo, o filme não se renega ao que é, pois invariavelmente ele não deixa de ser uma comédia romântica em seu cerne. Acredito que eu consegui absorver algo bem interessante com esse filme mesmo que me falta uma coisa bem crucial. Sendo um filme de 2009, o longa está inserido num período em que o gênero dava mais frutos, nem sempre bons frutos, mas certamente em maior quantidade. O problema, no meu caso, é que eu não tenho um vasto repertório com essas obras e se o filme em questão aqui brinca com os moldes do gênero tão bem que foi capaz de me alcançar foi realmente porque foi perspicaz em abranger as convenções mais clássicas desse tipo de filme.
Após esses adendos de uma análise mais estrutural da obra, o que mais me chamou a atenção e me fez entendê-la como uma obra realmente original foi o movimento de autocrítica que o filme faz em relação ao seu gênero e consequentemente a si próprio. A forma como o filme se desenvolve de maneira uniforme e clássica – enfatizo muitas vezes essa palavra porque acredito que é justamente com isso que o filme dialoga – contrasta com algumas outras escolhas narrativas que vão problematizando esse tipo de relacionamento propriamente artificial. A partir de certo ponto o longa está conversando conosco a respeito de obras como ele que tratam o amor como algo bem simplório e uniforme. Algo que é sempre perfeito e que vai resolver todos os problemas, por piores que sejam. Assim, essas relações perfeitas que são desenvolvidas em filmes, mas que dificilmente acontecem na realidade, são alvo de uma espécie de paródia nessa obra aqui. O roteiro viaja por um cenário comumente abordado para apresentar um contraponto justíssimo. Apontando problemáticas possíveis, mesmo num cenário teoricamente perfeito, conhecemos uma história mais crível, mesmo que num primeiro momento isso possa nos incomodar.
Realmente o filme pode causar um primeiro impacto negativo. Como estamos embriagados pela perspectiva do protagonista, enxergamos todo o universo dietético da perspectiva dele. E essa perspectiva claramente se mostra enviesada. Mas, com o desenvolver da trama, somos capazes de enxergar outros pontos de vista e assim entendemos que as mesmas causas não necessariamente geram as mesmas consequências. Não são todos os relacionamentos que dão certo, não é porque funciona por um tempo que será eterno e muitas outras afirmações assertivas vão sendo deixadas pelo caminho. Entretanto, como experiência, essa não deixa de ser uma comédia e não deixa de abordar em sua trama um romance. Assim sendo, o filme apresenta alívios cômicos que funcionam, um romance tocante, mesmo que não convencional e além disso, como ponto-clave, uma utilização bem interessante da metalinguagem para criticar e parodiar o próprio cinema.
A respeito dessa metalinguagem, algo que me surpreendeu bastante foi a utilização de duas cenas clássicas do cineasta Ingmar Bergman de maneira satírica. Isso me tocou mais ainda porque recentemente eu havia feito um trabalho sobre o diretor e analisado justamente essas duas obras em questão: “Persona” e “O Sétimo Selo”. Longe de ridicularizar as obras, “(500) Dias Com Ela” apresenta essas cenas numa intenção, a meu ver, de evidenciar sua característica de obra autocrítica que se desenvolve como uma análise interna da própria sétima arte.
Continuando nesse exercício de evidenciar sua característica fílmica, o filme utiliza uma montagem ágil e bem intrusiva, longe de uma convencional montagem invisível. Aliás, o filme inteiro brinca com convenções de montagem também, com elipses e raccords bem utilizados e com elementos de outros gêneros como o musical. Isso tudo se encaixa de uma maneira tão natural que não tenho como não considerar esse aspecto aqui no texto. São divisões de quadro, montagem literalmente paralela em tela, um intertítulo persistente e muitas outras coisinhas. Assim como Eisenstein usaria da montagem para transmitir sentido e expor sua obra como obra para seus expectadores – durante as próprias obras – acredito que aqui o filme utilize mais desse segundo aspecto citado, pois se o filme está autocriticando seu gênero é proveitoso que o espectador a todo momento se lembre que está diante de um filme, de uma obra de ficção, e isso fica claro durante toda a duração. Por tudo isso, acho que a montagem é um dos aspectos mais interessantes desse longa e que se comunica muito bem com as intenções dos realizadores, demonstrando uma ótima execução técnica e artística.
Não sei se fui só eu que consegui me envolver tanto e ser cativado pelas ideias do filme, mas acredito que não, já que minha prima é uma grande fã da obra e já me indicou justamente por isso. De todo modo, essa foi uma agradável surpresa que mostra como o cinema pode esconder em uma obra, à primeira vista, banal uma belíssima análise interna e ainda assim ser engraçada, tocante e perspicaz na sua comunicação com o público.

Nota do autor:

Avaliação: 4 de 5.

Gabriel Santana

Título Original(500) Days of Summer
Lançamento2009
País de OrigemEUA
DistribuidoraSearchlight Pictures
Duração1h35m
DireçãoMarc Webb

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